Com o emprego formal como eixo da classe trabalhadora, é dever do sindicalismo também defender e organizar os trabalhadores plataformizados.
Por Carlos Lima – economista e dirigente sindical bancário
O Brasil vive um momento decisivo. Com a retomada da agenda de desenvolvimento promovida pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a política de valorização do salário-mínimo, o fortalecimento das negociações tripartites e a volta do investimento industrial — impulsionada por programas como o Nova Indústria Brasil, o PAC, o papel reativado do BNDES e a recuperação da capacidade de planejamento do Estado — recoloca-se no horizonte a possibilidade concreta de reconstruir o emprego formal em larga escala. Este cenário reposiciona o debate sobre o futuro do trabalho no país e exige que o sindicalismo formule respostas à altura do novo ciclo histórico em disputa.
Nos últimos anos, a destruição de direitos, a recessão social e a expansão do trabalho por plataformas digitais aprofundaram a fragmentação da classe trabalhadora. Criou-se um contingente expressivo de trabalhadores sem proteção, submetidos à lógica do algoritmo, do ganho por tarefa, da “autonomia” de fachada e da total transferência de riscos ao indivíduo. Esse fenômeno, embora numericamente minoritário, produziu um impacto simbólico profundo, ajudando a naturalizar a ideia de que o trabalho no século XXI deve ser flexível, instável e desprotegido.
Entretanto, a conjuntura começa a mudar. A combinação entre política de aumento da renda puxada pela valorização do salário-mínimo, isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5.000 reais, reindustrialização estimulada pelo governo Lula, investimento público e mercado interno de massas tende, historicamente, a gerar empregos protegidos, com carteira assinada, organização sindical e negociação coletiva. Segundo a PNAD Contínua do IBGE, o Brasil tinha 88,5 milhões de pessoas ocupadas em 2024. Já o módulo específico sobre trabalho por plataformas digitais, divulgado pelo IBGE em 2025, identificou cerca de 1,7 milhão de trabalhadores cujo trabalho principal é mediado por aplicativos, o que representa aproximadamente 1,9% do universo de ocupados. Em contraste, cerca de 40 milhões de trabalhadores possuem carteira assinada no setor privado, comprovando que o emprego formal continua sendo, de forma amplamente majoritária, o núcleo estruturante da classe trabalhadora brasileira. Assim foi no Brasil dos anos 1950, no ciclo 2004-2013 e em diversas experiências internacionais de desenvolvimento. Quando a indústria se expande, a formalização cresce e o sindicalismo reencontra seu terreno clássico: o local de trabalho.
Por isso, o desafio atual não é escolher entre “organizar os precarizados” ou “reconstruir a CLT”. É fazer as duas coisas, mas compreendendo onde está o eixo estratégico. A defesa dos direitos universais — jornada, férias, previdência, representação no local de trabalho, negociação coletiva — volta a ter um terreno concreto de expansão. O sindicalismo precisa estar preparado para disputar os ganhos de produtividade do novo ciclo industrial, evitando que o futuro repita o padrão da superexploração.
A expansão da indústria 4.0, da automação e das novas tecnologias não elimina o trabalho — mas redefine sua forma. Se o sindicato não intervier, a inovação servirá para concentrar renda, aumentar metas e precarizar. Se intervir com coragem, pode transformar produtividade em redução de jornada, melhoria salarial, qualificação profissional e vida digna. Em vez de “menos direitos porque a tecnologia mudou”, a classe trabalhadora deve afirmar: mais direitos porque a riqueza social aumentou.
Ao mesmo tempo, o crescimento do emprego formal não elimina a necessidade de enfrentar a precarização digital. Plataformas continuarão existindo — e o sindicalismo precisa regulamentá-las, organizar seus trabalhadores, criar redes de solidariedade e impedir que esse mercado funcione como um subsistema de exploração paralela. Mas essa luta defensiva não pode soterrar a luta ofensiva pela reconstrução do trabalho protegido e pela hegemonia de um projeto nacional desenvolvimentista.
O que está em jogo, portanto, é a dupla estratégia:
1. Reconstruir o emprego formal e a negociação coletiva, retomando a força material da classe trabalhadora;
2. Enfrentar a precarização digital, para que ela não vire a referência do mercado de trabalho.
No centro dessa disputa está a velha questão: quem paga o preço do desenvolvimento? O povo trabalhador não pode ser, novamente, a variável de ajuste. O projeto nacional que o Brasil precisa — soberano, produtivo, tecnológico e ambientalmente sustentável — só será vitorioso se vier acompanhado de trabalho decente, salário digno e direitos universais.
A industrialização colocada novamente na agenda nacional pelo governo Lula é a chance histórica de reorganizar a classe trabalhadora e reposicionar o sindicalismo como sujeito político do desenvolvimento. Cabe a nós transformarmos essa oportunidade em história concreta.

Muito bem estruturada a argumentação sobre perspectivas do Mundo do Trabalho. E com profundidade.
ResponderExcluirMas a questão é que o Sistema Financeiro Nacional, com sua agiotagem institucionalizada, se recusará a financiar o desenvolvimento do nosso Pais.
Édison Oliveira Bancários/SP: ainda sobre o Sistema Financeiro Nacional, estamos passando uma fase de desmonte da categoria bancária ( setor Privado) substituindo trabalhadores Bancários por IA
ResponderExcluirEdison Oliveira: como disse acima, a questão da institucionalização da agiotagem nas instituições financeiras privadas continua a todos vapor. Banco Master e Cia.
ResponderExcluirVídeo Bco Master e Cia.*
ResponderExcluir