A sucessão de Barroso definirá se o STF continuará servindo ao mercado ou se reencontrará com o povo. Indicar um liberal “moderado” como Pacheco seria repetir o erro de alimentar o inimigo de classe em nome da conciliação.
foto: VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto
por Carlos Lima
Cría cuervos y te sacarán los ojos. O velho provérbio
espanhol nunca soou tão atual. Significa, em tradução livre: crie corvos e
eles te arrancarão os olhos. É a metáfora perfeita para descrever a
armadilha histórica em que caem governos progressistas quando, em nome da
estabilidade institucional, entregam o poder a representantes das elites
liberais travestidos de democratas. No Brasil, o exemplo mais visível desse
risco é a sucessão de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal.
Entre os nomes ventilados, o do ex-presidente do Senado Rodrigo
Pacheco desponta como símbolo da “moderação”. Mas esse tipo de moderação é
o verniz elegante do conservadorismo econômico. É a falsa neutralidade de quem
defende o rito democrático enquanto destrói, silenciosamente, o seu conteúdo
social. Colocar Pacheco no STF seria repetir a lógica que transformou o
tribunal em guardião do mercado e não da Constituição Cidadã de 1988.
O corvo da moderação liberal
Rodrigo Pacheco é vendido como homem de diálogo, equilíbrio
e civilidade. Mas sua passagem pelo Senado revelou outra coisa: submissão à
agenda neoliberal. Sob seu comando, o Congresso manteve intocadas as
reformas regressivas de Temer e Bolsonaro, deu prioridade à pauta de
austeridade fiscal e silenciou diante do empobrecimento da classe trabalhadora.
Seu “equilíbrio” serviu apenas para garantir previsibilidade ao capital
financeiro.
É esse tipo de personagem — o liberal cordial — que se
apresenta como defensor da democracia enquanto preserva o domínio das elites. O
mesmo perfil que, em 2016, legitimou o golpe parlamentar contra Dilma
Rousseff, assistiu calado à destruição dos direitos trabalhistas e acolheu
a cartilha de Paulo Guedes sob o discurso da responsabilidade. A moderação
de Pacheco é a moderação que mata por inanição: mantém o corpo político em pé,
mas esvazia-lhe o sangue popular.
O erro de criar corvos
Os governos populares, ao nomearem figuras como Pacheco para
cargos estratégicos, acreditam estar garantindo governabilidade. Na
verdade, estão alimentando o inimigo de classe dentro das instituições.
São os “corvos democráticos”: não rasgam a Constituição, mas a reescrevem com
tinta invisível; não conspiram contra o voto, mas neutralizam a vontade popular
com o verniz da tecnocracia.
O liberalismo jurídico e político brasileiro tem essa
habilidade: apresenta-se como racional, ponderado, civilizado — e, com esses
atributos, blinda os privilégios estruturais da elite. O resultado é um
Estado que se diz democrático, mas atua como gestor dos negócios privados.
Barroso simbolizou isso na toga: defendeu as urnas e o Estado de Direito, mas consolidou
a terceirização, desmontou a CLT e enfraqueceu os sindicatos. Indicar
Rodrigo Pacheco seria apenas mudar o rosto e manter o mesmo credo.
O que está em disputa
A sucessão de Barroso não é apenas administrativa; é
política e histórica. O STF se tornou o espaço onde se decide se o Brasil
continuará submetido à lógica do mercado ou se voltará a ser um país de
direitos. Indicar Pacheco significaria repetir o ciclo de conciliação que
transformou o Supremo em avalista das reformas liberais — do golpe de 2016
à era Guedes.
A elite sabe disso. Por isso apoia um nome como o dele:
previsível, confiável, incapaz de abalar as estruturas. Um ministro que, nas
crises, defenderia a democracia formal, mas, no cotidiano, votaria contra o
trabalhador e a soberania nacional. Seria a garantia de que o tribunal
continuará liberal nas relações econômicas, indiferente à miséria e zeloso com
os lucros.
O STF precisa reencontrar o povo
O Brasil não precisa de mais um moderado no Supremo. Precisa
de um ministro social, republicano e corajoso, capaz de reafirmar o
projeto de 1988: soberania nacional, valor social do trabalho e justiça
distributiva. A verdadeira estabilidade institucional não nasce da submissão ao
capital, mas da harmonia entre desenvolvimento e direitos.
É hora de romper o ciclo da conciliação que alimenta os
corvos. O Supremo precisa voltar a falar a língua de quem trabalha, produz e
sustenta a nação. Precisa lembrar que democracia não é apenas o direito de
votar — é o direito de viver com dignidade.
Cria corvos e eles te arrancarão os olhos.
Indicar Rodrigo Pacheco ao Supremo seria repetir o erro histórico de confiar o
futuro do povo brasileiro aos mesmos que o condenaram à precarização.
O STF precisa de um ministro que enxergue o país de baixo para cima — e não do
topo da pirâmide.
Carlos Lima – Economista, bancário e dirigente do Sindicato
dos Bancários do Rio

Comentários
Postar um comentário