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INDICAÇÃO DE CAROL PRONER PODE FAZER O STF REENCONTRAR O BRASIL REAL


Com a saída de Barroso, o STF abre espaço para uma decisão que vai muito além do nome. A escolha de Lula mostrará se o Brasil continuará preso à conciliação liberal ou se iniciará o reencontro do Judiciário com o povo. Uma indicação como a de Carol Proner teria força histórica e transformadora.

por Carlos Lima

A aposentadoria de Luís Roberto Barroso marca o fim de um ciclo. O ministro que defendeu as instituições contra o autoritarismo bolsonarista foi também um dos símbolos da virada liberal do Supremo, que desde 2017 reescreve a Constituição de 1988 à luz do mercado. Sob sua pena e influência, consolidaram-se a terceirização irrestrita, o negociado sobre o legislado e a fragilização dos sindicatos.

Agora, o Brasil se depara com uma encruzilhada. A vaga aberta no STF não é apenas uma substituição — é uma escolha de rumo político. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de decidir se manterá o perfil conciliador que caracteriza as últimas indicações ou se ousará fazer uma inflexão social e democrática capaz de mudar a correlação de forças dentro da Corte.

Os favoritos da conciliação: Messias e Pacheco

Na imprensa, dois nomes se repetem com insistência: Jorge Messias, atual Advogado-Geral da União, e Rodrigo Pacheco, ex-presidente do Senado. Ambos são apresentados como figuras de “equilíbrio”, “diálogo” e “segurança institucional” — as palavras preferidas do liberalismo político para preservar o que já existe.

Messias, técnico e fiel ao governo, é o nome mais cotado nos bastidores. Tem perfil discreto, respeitado e institucional, o que agrada ao Planalto e ao Senado. No entanto, representa continuidade, não ruptura. Seu histórico não sugere que seria capaz de enfrentar o poder econômico ou o pensamento dominante que transformou o STF num tribunal de contenção social.

Já Pacheco seria a escolha da conciliação política em estado puro. Um liberal parlamentar que fala em “harmonia entre os poderes”, mas que sempre esteve do lado das elites econômicas quando o tema foi a reforma trabalhista, a reforma previdenciária ou a defesa da austeridade fiscal. Sua eventual nomeação seria um gesto de acomodação com o centro conservador, uma sinalização de que o Estado continuará tutelado pela lógica do capital financeiro.

Ambos, em graus diferentes, representam o pacto da conciliação liberal — aquele que preserva a forma democrática, mas neutraliza seu conteúdo social.

Carol Proner: a possibilidade de ruptura e reconstrução

Há, porém, um caminho alternativo — mais ousado, mais difícil e historicamente necessário. O nome de Carol Proner, jurista, professora e referência internacional em direitos humanos, surge como a escolha que poderia devolver alma social ao Supremo.

Doutora em Direito, fundadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e integrante do Grupo Prerrogativas, Proner construiu uma trajetória intelectual e militante marcada por coerência, coragem e compromisso com o povo brasileiro. Autora de obras como “Lawfare: o Calvário da Democracia Brasileira” e “A Resistência ao Golpe de 2016”, foi uma das primeiras vozes a denunciar o uso político do sistema judicial contra governos populares e a destruição da soberania nacional pelo capital financeiro.

Sua indicação teria um valor político e simbólico sem precedentes: significaria a entrada, no mais alto tribunal do país, de uma jurista que compreende o Direito como instrumento de libertação e não de dominação, que vê na Constituição de 1988 não um contrato entre elites, mas o pacto popular de reconstrução do Brasil.

Carol Proner seria o oposto dos “corvos togados” — os ministros liberais que, em nome da técnica e da neutralidade, esvaziaram os direitos trabalhistas, blindaram o sistema financeiro e transformaram o STF num poder de veto contra o avanço social. A metáfora remete ao antigo ditado espanhol “Cría cuervos y te sacarán los ojos”, que adverte sobre o perigo de alimentar quem depois voltará sua força contra você. Foi exatamente isso que ocorreu com as indicações de perfil liberal nas últimas décadas: governos progressistas, em nome da conciliação, criaram seus próprios corvos — juristas que, uma vez togados, serviram aos interesses do capital e da elite judicial, atacando as conquistas populares que deveriam proteger.

Ela representa a negação dessa lógica: em vez de um corvo domesticado pelo sistema, seria a voz viva da Constituição cidadã e do Brasil real dentro da Corte. Sua presença representaria o início de uma refundação social e democrática do Judiciário, reconectando-o à classe trabalhadora, às mulheres, aos movimentos sociais e à luta contra o autoritarismo neoliberal.

Lula tem diante de si a chance de fazer história.

A decisão de Lula, portanto, ultrapassa o campo jurídico. É uma decisão estratégica para o destino do país. Se optar por mais um nome de conciliação, o governo preservará a governabilidade, mas manterá intacta a hegemonia liberal no Supremo — a mesma que legitimou o golpe de 2016, a prisão de Lula e o desmonte da CLT. Se, ao contrário, tiver a coragem de indicar Carol Proner, o presidente abrirá um novo ciclo: o de reconstrução da confiança entre o povo e a Justiça.

Essa escolha não seria apenas uma nomeação — seria um gesto de reparação histórica. Um gesto que reconhece o papel destrutivo do Judiciário na crise brasileira e afirma que a democracia só será plena quando for também social. Um gesto que diria ao país e ao mundo que o Brasil volta a se orientar pela Constituição Cidadã, pelo valor social do trabalho e pela soberania popular.

Escolher Carol Proner para o Supremo seria romper com o círculo dos “corvos moderados” e colocar no coração do Judiciário uma voz do povo, da justiça e da democracia social. Seria, enfim, o reencontro do Estado brasileiro com a sua razão de existir: servir ao povo, e não aos senhores do mercado.

Carlos Lima é bancário, economista e diretor do Sindicato dos Bancários do Rio

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