No dia 22 de julho de 2025, o ex-presidente Donald Trump anunciou ao mundo um acordo “histórico” com o Japão, encerrando uma escalada tarifária que ele próprio iniciou ao ameaçar sobretaxar em até 35% todas as importações japonesas. Apresentado como um pacto de “cooperação”, o que se viu, na verdade, foi uma rendição. Uma capitulação formal de uma das maiores economias do mundo diante de um projeto de poder baseado na chantagem econômica e na supremacia unilateral dos Estados Unidos.
O que está em curso não é um acordo comercial, mas a consolidação de uma nova doutrina imperial: a guerra tarifária como instrumento de subjugação econômica e geopolítica.
Chantagem tarifária e subordinação estratégica
O Japão aceitou uma elevação brutal das tarifas de exportação para os EUA — de uma média de 2,5% para 15% — apenas para evitar um tarifaço ainda mais agressivo, que havia sido anunciado por Trump como iminente. Não houve negociação em pé de igualdade. Houve intimidação.
Mas o ponto mais grave é o chamado “compromisso de investimento”. O Japão se obrigou a transferir US$ 550 bilhões em investimentos diretos e financiamentos para projetos nos Estados Unidos, com a imposição de que 90% dos lucros gerados por esses investimentos permaneçam em território americano.
Essa cláusula de retenção de lucros não tem precedentes em relações bilaterais entre potências. Significa, na prática, que o Japão financiará o crescimento econômico americano com seu próprio capital, sem direito ao retorno integral sobre esse investimento. Um ato de vassalagem econômica, imposto sob a ameaça de sanções e com forte caráter simbólico: os EUA querem deixar claro ao mundo quem manda — e quem obedece.
A rendição como doutrina: o Japão como exemplo para os demais
É preciso entender esse episódio como parte de uma estratégia maior de reconfiguração da hegemonia americana. Desde o início de 2025, Trump passou a pressionar países asiáticos como Filipinas, Indonésia, Tailândia e Coreia do Sul com a mesma lógica tarifária. O objetivo não é apenas comercial. É geopolítico.
O Japão, ao ceder, cumpre uma função pedagógica para os outros: se até a terceira maior economia do planeta teve que se dobrar, o que resta aos demais?
Essa doutrina trumpista lembra as práticas coloniais britânicas do século XIX, quando o “livre comércio” era imposto a tiros de canhão. Hoje, as tarifas fazem o papel das canhoneiras. A diplomacia é substituída pela coerção, e os acordos, por imposições.
As adversidades internas: o erro que precedeu a chantagem
Mas a análise não está completa sem considerar as próprias contradições internas da economia americana sob Trump. O tarifaço sobre aço e alumínio, retomado em 2025 com alíquotas de 50% sobre o aço importado, desorganizou cadeias produtivas e aumentou drasticamente os custos de produção nos setores industriais dos EUA — em especial na indústria automobilística.
As montadoras americanas — como GM, Ford e Stellantis — passaram a enfrentar custos mais altos com matéria-prima, perdendo competitividade até mesmo no mercado interno. O aço doméstico ficou caro, os veículos ficaram mais caros, e a capacidade de competir com os carros japoneses despencou.
O resultado é paradoxal: mesmo com a nova tarifa de 15%, os carros japoneses continuam mais baratos para o consumidor americano do que os veículos produzidos nos EUA.
Esse cenário tornou o acordo com o Japão menos uma demonstração de força e mais uma tentativa desesperada de corrigir os próprios erros estratégicos do governo americano.
As insuficiências do acordo para os próprios EUA
Apesar do discurso triunfalista de Trump, o acordo apresenta limitações severas para os próprios Estados Unidos:
- Não resolve o problema estrutural de competitividade da indústria americana. As tarifas sobre o aço continuam pressionando o custo da produção industrial interna.
- Não protege o consumidor. Com tarifas adicionais sobre produtos japoneses e sem alívio interno nos custos, o preço final de veículos e eletrônicos tende a subir — ou forçar os produtores japoneses a absorver parte do impacto, como já estão fazendo.
- Não reindustrializa. Transferências de capital (como as do Japão) não implicam automaticamente retomada produtiva ou inovação tecnológica nos EUA. Sem política industrial clara, os investimentos podem ser capturados por setores rentistas.
- Aumenta a instabilidade global. O uso da tarifa como arma geopolítica estimula retaliações e destrói a previsibilidade das relações multilaterais.
- Prejudica as alianças estratégicas. O Japão é tradicionalmente aliado dos EUA no Pacífico. Impor condições leoninas a um parceiro desse porte sinaliza ruptura da confiança — e enfraquece o eixo americano no confronto com a China.
Um novo tipo de imperialismo: financeiro, comercial e extraterritorial
O que Trump está fazendo não é apenas proteger a indústria americana. É estabelecer um modelo de relacionamento internacional baseado na dominação unilateral. Trata-se de um imperialismo tarifário-financeiro, que se articula com outras formas de dominação — como o controle da moeda (via dólar), da tecnologia (via big techs) e da informação (via mídias ocidentais).
Ao exigir que o Japão aceite tarifas elevadas, abra seus mercados agrícolas, transfira recursos e aceite a retenção de lucros, Trump redefine a lógica da globalização: os EUA não são mais apenas o centro do mundo; agora querem ser também os donos das regras e os únicos beneficiários.
Uma farsa travestida de vitória
O que a grande mídia chama de “resultado positivo da tática dura de Trump” é, na verdade, um teatro de força sobre uma base econômica enfraquecida. O Japão se rendeu à chantagem para evitar o pior, e os EUA conseguiram apenas mascarar os efeitos nocivos de sua própria política industrial desastrosa.
A rendição japonesa não é sinal de supremacia americana. É sinal de decadência disfarçada de vitória — e de um mundo onde acordos são impostos, não construídos.
O que o Brasil deveria fazer — e o que Lula está fazendo
Diante dessa ofensiva tarifária e do uso explícito da coerção econômica como ferramenta de dominação global, o Brasil precisa manter firmeza e lucidez estratégica. A resposta não pode ser o alinhamento automático nem a submissão silenciosa. O caminho deve passar por:
- Defesa de uma política externa soberana e multilateral, com prioridade à integração regional, aos BRICS e aos espaços de cooperação entre países do Sul Global;
- Fortalecimento institucional do Itamaraty, com ação diplomática altiva e articulada diante das pressões de potências;
- Diversificação de parcerias internacionais, reduzindo a vulnerabilidade a pressões unilaterais dos EUA ou de qualquer bloco dominante;
- Valorização de mecanismos multilaterais legítimos, como a OMC, o G20 e os fóruns da ONU, em contraposição ao isolacionismo tarifário e imperial de Trump.
Nesse sentido, o presidente Lula tem atuado com firmeza ao denunciar a desigualdade global em fóruns internacionais, defender o fim das sanções unilaterais, apoiar a multipolaridade e estreitar relações com parceiros estratégicos fora da órbita de Washington. Sua presença ativa no G20, na ONU e nos BRICS reforça o lugar do Brasil como um ator relevante e independente no cenário internacional.
Não se trata de romper com ninguém — mas de não se curvar a ninguém. Porque soberania não se negocia — se exerce.
Grande cobtribuição para a análise do Imperialismo decadente.
ResponderExcluirValeu companheiro
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