Parte 2 – Decreto Postal é avanço formal, mas exige ações urgentes para reverter a crise


Por Carlos Lima*

Marco regulatório atualiza o papel dos Correios, mas sem investimento, recomposição de pessoal e nova gestão, o potencial pode ser desperdiçado

Atualização legal: passo importante, mas inicial

O Decreto nº 12.464/2025, assinado em maio, representou um avanço institucional relevante ao regulamentar, após mais de 40 anos, a Lei Postal (Lei nº 6.538/1978). Ao reafirmar os serviços postais como dever do Estado e reconhecer os Correios como empresa pública essencial, o governo federal sinalizou uma ruptura com a agenda privatista dos últimos anos. A estatal passa a contar com respaldo legal mais claro para cumprir sua função estratégica, inclusive em situações de emergência, como ocorreu nas enchentes no Rio Grande do Sul.

Novas possibilidades operacionais

O decreto amplia a base legal para os Correios atuarem em setores como:

  • Certificação digital e assinatura eletrônica;
  • Marketplace próprio e apoio ao e-commerce nacional;
  • Transporte de produtos antes proibidos, como plantas e animais vivos;
  • Corretagem de seguros e serviços financeiros postais.

A expectativa é que essas novas áreas, somadas à atuação em parcerias estratégicas, possam ampliar a geração de receitas e reposicionar a empresa frente à concorrência privada. Só o segmento de plantas vivas, por exemplo, pode gerar mais de R$ 100 milhões por ano em arrecadação.

Ausência de medidas concretas de governo

Apesar dos avanços legais, o decreto não foi acompanhado de ações práticas de reconstrução da empresa pública. Até agora, não houve:

  • Anúncio de recomposição do quadro funcional via concurso público;
  • Plano de qualificação dos empregados ou valorização profissional;
  • Aporte emergencial de capital para enfrentar o passivo de mais de R$ 6 bilhões;
  • Definição de metas de investimento ou expansão de serviços.

O risco é evidente: o marco institucional existe, mas carece de sustentação política, orçamentária e administrativa. O que deveria ser um ponto de partida para uma política robusta de fortalecimento pode se tornar um avanço formal sem efeito transformador.

Uma gestão que ignora as oportunidades

Enquanto o decreto abre caminhos para inovação, a atual direção da EBCT segue por uma trilha oposta: cortes de custos, fechamento de unidades, redução de rotas e desmobilização de equipes. Medidas como a retirada de cinco linhas e quatro trechos da malha aérea, justificadas como economia, contrastam com a urgência de reestruturar e expandir a atuação da empresa. A gestão também insiste em associar os custos com pessoal ao desequilíbrio financeiro, desconsiderando que esses gastos respondem, na verdade, ao resgate de direitos mínimos, como o reajuste de 4,11% e gratificações previstas no acordo coletivo.

Essa contradição entre o marco legal e a prática gerencial fragiliza a credibilidade da recuperação da estatal. O reconhecimento jurídico da EBCT como empresa estratégica não pode ser comandado por uma gestão que atua em descompasso com esse papel.

O que falta: ação política coordenada

Não se espera que o decreto resolva, por si só, os problemas históricos da EBCT. Mas é urgente que ele seja seguido por uma agenda de governo articulada, envolvendo:

  • Ministério das Comunicações, Planejamento e Fazenda;
  • BNDES e outras instituições financeiras públicas;
  • Participação dos trabalhadores e de seus sindicatos;
  • Nova política de investimento, inovação e valorização profissional.

Somente com vontade política real e planejamento público será possível transformar o que está no papel em uma estatal moderna, eficiente e socialmente indispensável.

Na Parte 3, veremos como países como Alemanha, França e Japão modernizaram seus serviços postais sem abrir mão do caráter público, e quais caminhos o Brasil ainda pode seguir para recuperar os Correios como motor da integração nacional e do desenvolvimento logístico.

Carlos Lima é economista e dirigente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e da CTB/RJ


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