Sindicato.com.br? Os avanços e limites da comunicação sindical na era digital
Por Carlos Lima*
Nos últimos anos, o movimento sindical brasileiro atravessou transformações profundas em sua forma de comunicar. Pressionado pela ascensão das plataformas digitais, pelo avanço do discurso antissindical e pela reconfiguração do mundo do trabalho, o sindicalismo precisou reinventar suas estratégias de comunicação. Mas até que ponto isso tem ocorrido com a urgência, profundidade e alcance necessários?Entre avanços importantes e limitações persistentes, a comunicação sindical no Brasil hoje se encontra em um momento decisivo: ou assume sua centralidade como ferramenta de disputa ideológica e mobilização de base, ou corre o risco de continuar sendo ignorada por boa parte da classe trabalhadora, especialmente entre os mais jovens e precarizados.
Avanços recentes: mais que panfletos
Não há como negar: a comunicação sindical evoluiu. Sites, boletins digitais, perfis em redes sociais e podcasts se tornaram comuns em centrais como CUT, CTB, Intersindical e CSP-Conlutas, assim como em sindicatos de base da educação, bancários, metalúrgicos, petroleiros e servidores públicos.
Dados da pesquisa "Sindicatos e Mídias Digitais", conduzida pela Fundação Perseu Abramo em parceria com a CUT em 2021, revelaram que 85% dos sindicatos possuem ao menos uma rede social ativa — sendo o Facebook (79%), Instagram (54%) e WhatsApp (92%) os mais utilizados. O uso do Telegram e do Twitter (atualmente X) também cresceu, ainda que de forma mais tímida.
Além disso, surgiram experiências inovadoras de mídia sindical combativa. Um exemplo é a atuação do Sintrajud (SP), que tem investido em linguagem audiovisual e memes com forte apelo entre os mais jovens. Outro caso relevante é o do Sindicato dos Professores de Minas Gerais, que lançou campanhas virais em defesa da educação pública, com alta repercussão nas redes.
Limites estruturais e políticos: um salto ainda incompleto
Apesar dos avanços, os desafios são grandes. A falta de equipes profissionais de comunicação, o amadorismo na produção de conteúdo e a ausência de estratégias integradas de comunicação digital ainda predominam em boa parte dos sindicatos. A maioria dos perfis em redes sociais, por exemplo, opera de forma reativa — mais voltada para convocatórias e informes do que para disputar o senso comum.
Um dos problemas centrais é que, muitas vezes, a comunicação sindical continua sendo tratada como setor secundário pelas direções. São poucos os sindicatos que possuem diretores de comunicação com autonomia e equipe técnica. Pior: muitas entidades ainda não compreendem as redes sociais como território de disputa política e cultural, onde narrativas de extrema-direita, fake news e individualismo neoliberal circulam livremente, enquanto a voz dos trabalhadores segue marginalizada.
A pesquisa de Amanda Rocha (UnB, 2021) sobre a comunicação da CTB aponta que mesmo entidades com compromisso classista enfrentam limites orçamentários, disputas internas e desvalorização política da área. Ainda segundo a autora, a dificuldade de dialogar com a juventude precarizada e com os trabalhadores fora da estrutura sindical tradicional exige novas formas de linguagem, estética e escuta — algo que a maioria das direções ainda não incorporou.
Desinformação, bolsonarismo e o papel estratégico da comunicação
O contexto recente de ascensão da extrema-direita, negacionismo e ofensiva antissindical agravou a urgência de uma comunicação sindical combativa. O bolsonarismo ocupou as redes sociais com campanhas bem estruturadas, memes eficientes e discursos emocionalmente potentes, enquanto boa parte do sindicalismo permaneceu refém de modelos informativos excessivamente formais ou pautas internas incompreensíveis ao trabalhador comum.
A pandemia escancarou esse abismo: enquanto fake news circulavam em grupos de WhatsApp com velocidade alucinante, a maioria dos sindicatos demorava a reagir, e quando reagia, muitas vezes usava PDFs longos, vídeos mal editados ou notas de rodapé da CLT. O desafio que se impõe, portanto, é combater a desinformação com uma comunicação que seja ao mesmo tempo pedagógica e mobilizadora — e não apenas jurídica ou defensiva.
O que falta fazer: profissionalizar, popularizar, politizar
Para superar suas insuficiências, o movimento sindical precisa reconhecer a comunicação como um eixo estratégico da luta de classes. Isso exige investimentos em formação, contratação de jornalistas e comunicadores populares, construção de redes de militantes digitais e elaboração de planos de comunicação articulados com campanhas políticas e sindicais.
É preciso sair da lógica da comunicação de gabinete e ir ao encontro do cotidiano do trabalhador: usar vídeos curtos, memes com conteúdo político, transmissões ao vivo nas greves, microinfluenciadores sindicais nas periferias, conteúdos em formato de carrossel, infográficos, podcasts — e, acima de tudo, valores que toquem a experiência real de quem vive a exploração do trabalho.
O exemplo do NPC (Núcleo Piratininga de Comunicação) mostra que é possível formar comunicadores sindicais com consciência de classe e técnica apurada. Suas oficinas, cadernos e manuais circulam entre centenas de entidades. Mas no mundo sindical falta escala. Falta ousadia. Falta vontade política de colocar a comunicação como prioridade.
Do panfleto à batalha cultural
O sindicalismo brasileiro não pode abrir mão da comunicação. Em tempos de hegemonia neoliberal, algoritmos privatizados e guerra simbólica nas redes, comunicar bem é também lutar bem. Não se trata apenas de divulgar uma assembleia ou um boletim de greve, mas de disputar corações e mentes, reconstruir identidades coletivas e manter viva a chama da organização popular.
Como dizia Gramsci, “toda relação de hegemonia é também uma relação pedagógica”. E toda pedagogia da luta de classes, hoje, passa pela reinvenção da comunicação sindical — ou o risco é continuar falando sozinho, num mundo onde quem grita mais não é necessariamente quem tem razão, mas quem sabe usar melhor os canais.
Carlos Lima é economista e dirigente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e da CTB-RJ.
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