Ser Militante Comunista em Tempos de Dúvidas e Desfiliações

Por Carlos Lima, militante do PCdoB

A desfiliação de uma militante histórica como Walkiria Nichteroy, revelada nas lutas estudantis e participante ativa na construção do projeto comunista em Niterói, é mais do que um episódio pessoal. É um espelho que nos obriga a olhar com profundidade para o sentido de ser militante de um partido do tipo comunista, forjado na luta de classes, com pretensões revolucionárias e não apenas eleitorais.

Ser militante de um Partido Comunista é, antes de tudo, um compromisso com a transformação radical da sociedade, um vínculo que ultrapassa o imediatismo da conjuntura e a busca por reconhecimento institucional. A militância comunista é forma superior de consciência política, forjada na contradição entre capital e trabalho. Ela exige a compreensão de que a institucionalidade – por mais relevante que seja – é apenas uma das trincheiras da luta de classes. Quando essa consciência se fragiliza, quando a política se reduz ao horizonte eleitoral, abrem-se brechas para o desencantamento, o deslocamento subjetivo e, por vezes, o afastamento.

A desfiliação de um militante com trajetória consolidada não pode ser tratada como um simples ato pessoal, muito menos naturalizada como etapa de um ciclo. Trata-se de uma ruptura que, por mais respeitosa que seja, carrega em si um gesto de negação do coletivo, justamente quando a conjuntura exige mais coesão, mais firmeza e mais convicção ideológica. Romper com um partido comunista em nome de insatisfações pontuais ou desgastes organizativos é, muitas vezes, ceder ao subjetivismo e à lógica liberal de individualização da política. Não se trata de ignorar os erros ou contradições de uma organização, mas de reconhecer que abandoná-la, ao invés de transformá-la de dentro, é uma concessão grave ao desmonte da luta coletiva e ao enfraquecimento da alternativa socialista.

O desafio está na formação da consciência de classe. Muitos entram no partido por indignação social, por afinidade afetiva, por experiências localizadas de luta, mas sem compreender a totalidade histórica do projeto comunista. Quando essa formação é negligenciada ou se torna secundária frente à urgência eleitoral, a militância se fragiliza. A disputa de ideias, a compreensão do Estado burguês, a leitura crítica das relações de produção e do papel do Partido como organizador coletivo da revolução ficam obscurecidas.

Pertencer a uma organização comunista não é um gesto simbólico, é um compromisso de longo curso com a construção de um projeto revolucionário. Romper com esse compromisso em meio às adversidades é, na prática, abdicar de uma responsabilidade histórica. A militância comunista não se mede apenas pela trajetória passada, mas pela capacidade de resistir nos momentos difíceis, de enfrentar contradições internas sem abandonar o coletivo. A desfiliação, nesses termos, revela não apenas divergência política, mas também fragilidade na formação ideológica. É preciso ter clareza de que abandonar o partido não fortalece a luta – pelo contrário, debilita um instrumento coletivo que, com todos os seus limites, é parte essencial da estratégia de transformação da sociedade.

O PCdoB tem uma história heroica e um legado revolucionário imprescindível. Mas também carrega contradições. Como qualquer instrumento histórico, está sujeito ao desgaste, à acomodação e ao descompasso entre teoria e prática. Cabe à militância crítica – àquela que não deserta, mas luta dentro – reverter esse quadro, não com ressentimentos ou saudosismos, mas com a coragem política de reconectar o Partido à luta social, aos territórios, ao chão das fábricas, das escolas, dos serviços, dos bairros e da juventude trabalhadora precarizada.

Porque ser comunista não é estar filiado. É compreender o mundo para transformá-lo. É saber que a luta institucional pode até abrir caminhos, mas que só haverá mudança real se ela estiver ancorada na mobilização popular, na formação política constante, na capacidade de ler o tempo histórico com olhos revolucionários.

Walkiria saiu. Mas quantos ainda permanecem fisicamente sem estar organicamente conectados ao projeto? Eis o desafio. Renovar o Partido por dentro, reconectar sua prática à sua essência, e resgatar o sentido profundo de militância comunista: não como carreira, mas como causa. Não como aparato, mas como instrumento da revolução.

Comentários

  1. Muito bem , Camarada Carlão . O sentido de ser comunista que ultrpassa a subhetividade , o cooporativis , individualismo em busca da costrução coletiva do partido , o caminho para ruptura do capitalismo . Exelente , camarada !

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