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📉 EUA rebaixado: o fim da era AAA e a hipocrisia fiscalista que sustenta impérios decadentes

🖊️ Por Carlos Lima

Os Estados Unidos foram rebaixados pela agência Moody’s. De novo. E mesmo assim, o mundo segue girando. Wall Street subiu, o dólar não derreteu, os investidores globais continuam comprando títulos do Tesouro americano como se nada tivesse acontecido. Mas o que realmente está por trás desse episódio? Não é apenas mais um ajuste técnico de nota — é uma fotografia nítida da hipocrisia estrutural que sustenta a lógica fiscalista aplicada seletivamente no mundo. E mais: é mais um sinal visível da decadência da hegemonia estadunidense e do esgotamento de um modelo imperial de dominação financeira global.

Déficits são um problema... só para os outros

A dívida pública dos EUA já ultrapassa os US$ 34 trilhões. Mesmo assim, os gastos militares seguem em alta, as guerras por procuração continuam e o orçamento federal vive sob o caos de disputas internas entre democratas e republicanos — com risco de "shutdown" quase permanente. Não há teto de gastos para o Pentágono, nem ajuste fiscal para Wall Street. Mas para o Sul Global, a cartilha é outra: reformas, cortes, privatizações e submissão aos interesses dos credores.

A Moody’s, que agora alerta sobre o risco fiscal dos EUA, foi a mesma que por décadas endossou seus déficits "estratégicos". O que mudou? Muito pouco. O que está em jogo não é coerência técnica, e sim a perda gradual da capacidade de mascarar as contradições de um império financeiramente insustentável.

O mercado finge que se importa, mas ignora

Apesar do rebaixamento, as bolsas de Nova York fecharam em alta. Isso revela a ambivalência perversa do sistema financeiro global: os fundamentos estão apodrecendo, mas enquanto o dólar ainda for o centro gravitacional da economia mundial, a festa continua. Ou seja, o fiscalismo só é levado a sério quando interessa — ou quando se trata de sufocar os países periféricos.

Essa lógica é seletiva e ideológica. A mesma mídia que defende arrocho para o Brasil trata o endividamento dos EUA como “natural”. O FMI que impõe metas cruéis à Argentina não ousa tocar nos privilégios financeiros de Washington.

Um império com nota em queda

O rebaixamento não significa colapso imediato, mas escancara rachaduras profundas na estrutura do império estadunidense. A hegemonia do dólar, embora ainda forte, já não é inquestionável. A confiança no sistema fiscal dos EUA, antes vista como dogma, começa a ser abalada por suas próprias contradições: dívida descontrolada, paralisia política, polarização extrema e um modelo de crescimento cada vez mais dependente de guerra, bolhas e impressão de dinheiro.

É nesse ponto que entra o fator geopolítico. O mundo assiste à ascensão de novos polos de poder — China, BRICS, sul global — que buscam alternativas ao domínio do dólar. O rebaixamento da nota dos EUA pela Moody’s é simbólico, mas alimenta esse movimento de fundo: a transição para um mundo multipolar, onde a hegemonia financeira unipolar dos EUA vai perdendo fôlego e legitimidade.

O fiscalismo seletivo como máscara ideológica

No fundo, o episódio serve para escancarar uma verdade incômoda: não existe neutralidade técnica no discurso fiscalista. Trata-se de uma ferramenta de controle. Quando os países do centro precisam gastar, criam "estímulos". Quando os países da periferia tentam investir, sofrem chantagens, rebaixamentos e fuga de capitais. A dívida dos ricos é tratada como estratégia, a dos pobres como irresponsabilidade.

Essa hipocrisia estrutural precisa ser denunciada com todas as letras. Fiscalismo, nesse caso, não é solução — é dominação disfarçada de rigor.

O que está caindo não é só a nota — é a máscara

O rebaixamento dos EUA não causou pânico nos mercados, mas é um alerta estrutural. Mostra que nem mesmo o centro do império consegue sustentar os padrões que impõe ao resto do mundo. Mostra que o rei está nu — e que o sistema que sustenta sua coroa já não convence como antes.

No blog Sou Mais o Brasil, não defendemos soluções mágicas, nem ilusões tecnocráticas. Defendemos soberania nacional, uso estratégico da política fiscal, e ruptura com os dogmas que impedem o desenvolvimento com justiça social.

O que está em xeque não é apenas a nota dos EUA — é a ordem mundial que naturaliza desigualdades, impõe sacrifícios aos povos e sustenta impérios falidos à custa do sofrimento dos outros.


Carlos Lima é economista e dirigente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e da CTB-RJ

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