Correios do Brasil: entre o desmonte e o potencial de reconstrução estratégica

Por Carlos Lima*

Por uma política pública moderna, socialmente útil e economicamente sustentável

Por muito tempo, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) foi símbolo de integração nacional e um dos serviços públicos mais reconhecidos pela população. Mesmo diante de décadas de sucateamento, ataques privatistas e políticas de austeridade, os Correios resistiram. No entanto, em 2025, a atual gestão da estatal anuncia um pacote de cortes que expõe não apenas um diagnóstico apressado da crise, mas também uma concepção de futuro míope, restrita a um ajuste contábil e distante de qualquer estratégia nacional de desenvolvimento.

Enquanto países como Índia, França, Japão, Alemanha e China reposicionam suas estatais postais como braços logísticos, financeiros e digitais do Estado, o Brasil insiste em fazer a EBCT andar de marcha à ré.

A austeridade como resposta errada para uma crise estrutural

Com um prejuízo de R$ 2,6 bilhões em 2024, a direção dos Correios anunciou medidas que incluem:

  • Programa de Desligamento Voluntário (PDV);
  • Redução de jornada com corte de salários;
  • Suspensão de férias;
  • Retorno compulsório ao trabalho presencial;
  • Revisão nos planos de saúde.

Não houve diálogo com os trabalhadores. Não houve participação dos sindicatos. E, sobretudo, não houve um plano de reestruturação real que apostasse em inovação, inclusão e recuperação estratégica.

Essas medidas espelham as velhas fórmulas de contenção fiscal que fracassaram no passado: cortar o gasto em vez de qualificar o investimento, punir o trabalhador em vez de valorizar sua função e encolher o papel da empresa em vez de expandir seu serviço ao povo.

Comparações internacionais: o que falta no Brasil?

Enquanto a EBCT retrocede, outros países enfrentaram desafios semelhantes com ações ousadas, modernas e integradas. Eis algumas experiências ignoradas pela direção brasileira:

País

Iniciativa estratégica

Impacto

Índia

India Post Payments Bank

Inclusão bancária de milhões de cidadãos

França

La Poste como centro de serviços digitais e cidadania

Diversificação de receitas e papel comunitário

China

Lockers inteligentes, drones, parcerias com Alibaba

Logística de última milha eficiente e moderna

Alemanha

DHL global com IA e automação de triagem

Liderança logística internacional

Austrália

App unificado, logística integrada ao e-commerce local

Aumento de competitividade frente a Amazon

No Brasil, nenhuma dessas soluções foi plenamente considerada. A plataforma de e-commerce dos Correios é inexpressiva, não há app com serviços integrados, o Banco Postal foi descontinuado e a modernização da logística caminha a passos lentos.

Um governo progressista com um plano conservador

Causa estranheza — e indignação — que um governo eleito sob a promessa de reconstrução do papel do Estado aceite uma proposta que precariza o serviço público, penaliza os trabalhadores e abandona o imenso potencial da EBCT. O crédito de R$ 3,8 bilhões captado junto ao New Development Bank (NDB), que poderia financiar a reestruturação inteligente da empresa, parece condenado a ser engolido por um plano contábil de “corte e contenção”.

Não se combate o desmonte com o receituário do desmonte.

Os trabalhadores têm razão

As propostas apresentadas pela FINDECT são coerentes com as boas práticas internacionais e com o interesse público:

  • Criar um comitê de crise com participação paritária;
  • Revogar medidas unilaterais de austeridade;
  • Utilizar o crédito do NDB para modernização tecnológica;
  • Retomar o Banco Postal com controle público;
  • Investir em formação, digitalização e infraestrutura logística;
  • Defender os Correios como empresa estratégica do Estado brasileiro.

É preciso reconhecer: os trabalhadores dos Correios não são parte do problema. São parte da solução.

Propostas para um novo projeto de Correios públicos, ágeis e sustentáveis

Abaixo, uma agenda mínima para transformar a EBCT numa referência nacional e internacional:

Curto Prazo (até 12 meses)

  • Implantação de lockers inteligentes em grandes cidades.
  • Reestruturação do atendimento digital com rastreio em tempo real.
  • Parceria com Caixa ou fintech pública para relançar o Banco Postal.
  • Formação profissional imediata em logística, atendimento e TI.
  • Lançamento de uma plataforma pública de e-commerce inclusiva.

Médio Prazo (1 a 3 anos)

  • Automação dos centros de triagem e inteligência logística.
  • Transformação das agências em centros de cidadania digital.
  • Consolidação da EBCT como operadora de serviços financeiros populares.
  • Expansão do marketplace Correios para pequenos produtores e MEIs.
  • Horários alternativos para entregas nas regiões metropolitanas (negociado com as entidades sindicais).

A EBCT pode ser exemplo, não fardo

O Brasil não precisa privatizar nem desmontar sua estatal postal. Precisa, sim, reposicioná-la estrategicamente. Os Correios podem — e devem — ser uma empresa pública de nova geração, capaz de combinar inclusão social, excelência operacional, inovação tecnológica e valorização do trabalho.

Para isso, é preciso que o Governo Lula assuma, com coragem, a tarefa de abandonar o receituário da austeridade e abraçar um projeto nacional para a EBCT. E que os trabalhadores, com sua história de luta e conhecimento da operação, sejam protagonistas dessa reconstrução.

Os Correios do Brasil não estão falidos. Estão subestimados. E ainda podem voltar a ser motivo de orgulho — no país e no mundo.

 (*) Carlos Lima é economista e dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

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