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O “Acordo Caracu” imposto pelos EUA à Europa

 

Quando a diplomacia se rende à chantagem tarifária

Por Carlos Lima – Economista e Bancário

O recente acordo firmado entre os Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, e a União Europeia no dia 27 de julho de 2025 é um marco do autoritarismo comercial da potência imperialista. Apresentado ao mundo como um “entendimento que evita a guerra tarifária”, o pacto escancara, na verdade, a prática do poder econômico bruto: chantagem, imposição e subordinação. E como se diz no Brasil, quando um lado é forçado a aceitar tudo e o outro impõe os termos, o nome é direto: acordo caracu. Os Estados Unidos entraram com a cara, e a Europa... com o resto.

O que está no papel

O coração do acordo é uma tarifa de 15% que os EUA aplicam, de forma unilateral, à maior parte das exportações europeias. Essa tarifa atinge desde automóveis até bens farmacêuticos e industriais. A União Europeia, por sua vez, não aplicou nenhuma tarifa equivalente aos produtos norte-americanos. Ou seja, aceitou uma condição totalmente desigual, perdendo terreno e vantagem comercial.

Os produtos mais importantes para os Estados Unidos — como semicondutores, peças aeronáuticas, medicamentos genéricos e químicos — foram poupados das tarifas, o que demonstra que o acordo foi feito sob medida para beneficiar um lado só. E para completar, as tarifas de 50% sobre aço e alumínio da Europa continuam valendo, sem nenhuma garantia de revisão ou compensação.

Pior: a Europa ainda se comprometeu a comprar US$750 bilhões em energia americana (gás, petróleo, carvão) em três anos, além de investir US$600 bilhões na economia dos EUA, em setores como infraestrutura e compras militares. Ou seja, pagou caro para evitar uma punição maior, mesmo sem receber o mesmo tratamento em troca.

O que isso significa

Esse não é um acordo entre iguais. É um acordo imposto. A Europa aceitou condições desfavoráveis para evitar uma guerra comercial mais grave, mas ao fazer isso, entregou parte da sua soberania econômica e da sua capacidade de decidir por conta própria. O nome disso é submissão.

Aceitou tarifas mais altas, comprometeu recursos bilionários e ficou sem garantias. O tal “acordo de estabilidade” se revela, na prática, uma relação de obediência comercial. A imagem é clara: quem tem força impõe; quem não tem projeto, abaixa a cabeça.

Acordos desiguais como prática imperialista

Esse tipo de manobra é parte da cartilha do imperialismo moderno. Os Estados Unidos usam sua força econômica e política para ditar regras — e não importa se o outro lado é um país pequeno ou um bloco como a União Europeia. Já fizeram isso com o México, com o Japão, com vários países da América Latina, e agora com os europeus.

O que vimos foi a versão atualizada do velho modelo de dominação: “ou aceita meus termos, ou você perde tudo”. Não tem negociação justa. Tem imposição. Não tem respeito mútuo. Tem chantagem disfarçada de diplomacia.

E o Brasil?

No meio desse cenário, o Brasil está numa posição ainda mais frágil. Trump já anunciou que vai aplicar tarifas de 50% sobre diversos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. Só que, diferente da Europa, não houve nem oferta de acordo. Foi direto na pancada: tarifa máxima, sem conversa. Se não reagirmos com firmeza, podemos ser a próxima vítima de um acordo ainda mais desigual — ou pior: sem acordo nenhum, só punição.

O Brasil precisa agir com altivez. Não podemos repetir o erro europeu de aceitar tudo para “evitar o pior”. Precisamos retomar um projeto nacional de desenvolvimento que fortaleça nossa indústria, agregue valor à produção e nos liberte da dependência de um único mercado comprador.

O que fazer

A classe trabalhadora precisa estar atenta. Denunciar esse tipo de acordo é parte da nossa luta. Defender uma política externa independente, ampliar as relações com países do Sul Global, fortalecer o BRICS+ e, acima de tudo, reindustrializar o Brasil com soberania são tarefas urgentes. Precisamos de um plano que proteja os empregos, valorize a produção nacional e coloque os interesses do povo acima das pressões externas.

Além disso, precisamos levar essa discussão para as nossas bases. Mostrar que geopolítica não é papo de especialista: é pão na mesa, é salário, é dignidade no chão de fábrica. Quando o Brasil aceita qualquer condição em nome da "paz comercial", quem paga a conta é o trabalhador.

Ou enfrentamos, ou ajoelhamos

O acordo entre Trump e a Europa não foi equilibrado. Foi injusto, forçado, desequilibrado. Um clássico acordo caracu, onde só um lado decide e o outro se rende. Precisamos aprender com isso. O Brasil não pode repetir o erro de negociar de joelhos. Soberania não se pede. Se conquista. Se defende.
E é com consciência, unidade e mobilização que a classe trabalhadora pode garantir que o Brasil não entre em mais um acordo onde só um lado ganha — e o nosso povo paga.

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