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A Responsabilidade do Estado e a Defesa dos Participantes da FUNCEF


Por Carlos Lima 

A possível homologação, pelo Supremo Tribunal Federal, da proposta de renegociação dos acordos de leniência firmados antes do Acordo de Cooperação Técnica entre órgãos públicos — foco central da ADPF 1051 — levanta sérios alertas para os participantes da Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF). Entre as empresas envolvidas estão gigantes da engenharia nacional como a Novonor (ex-Odebrecht), OAS, Camargo Corrêa e UTC, todas com histórico de contratos com a Petrobras e ligadas à cadeia de fornecimento da Sete Brasil. A FUNCEF, assim como outros fundos de pensão como PETROS e PREVI, foi diretamente impactada pela implosão coordenada desse setor. O reconhecimento, ainda que implícito, de abusos e vícios nos acordos da Lava Jato — fundamento da ADPF — não pode servir de base para o apagamento dos direitos das vítimas. A Fundação é credora, não corresponsável.

Os números são robustos e chocantes. Estima-se que os prejuízos causados aos fundos de pensão com a falência da Sete Brasil e a derrocada dos contratos com a Petrobras ultrapassem R$ 10 bilhões. No caso da FUNCEF, parte desse rombo teve que ser equacionado pelos próprios participantes, por meio de aumentos de contribuição extraordinária, deterioração de benefícios futuros e instabilidade nos planos estruturados sob o REG/Replan e Novo Plano. Em muitos casos, trabalhadores foram punidos por decisões que não tomaram — e por investimentos feitos com base em pareceres técnicos, contratos com garantias, e aval da governança colegiada. O colapso, portanto, não decorreu de imprudência ou dolo da gestão do fundo, mas sim de uma crise institucional provocada de fora para dentro, alimentada por um processo judicial e midiático que ignorou o impacto sistêmico de suas ações.

A Operação Lava Jato, sob o comando do Ministério Público Federal de Curitiba e da 13ª Vara Federal, promoveu uma verdadeira desorganização do setor de infraestrutura pesada no Brasil. Ao criminalizar contratos, bloquear empresas, inviabilizar financiamentos e interferir diretamente em políticas públicas, a Lava Jato não apenas enfrentou a corrupção — como alega —, mas destruiu a engenharia nacional, gerou desemprego em massa, e provocou efeitos colaterais severos sobre fundos de pensão e estatais estratégicas. A Sete Brasil, empresa criada em 2010 para desenvolver sondas de perfuração para o pré-sal com conteúdo nacional e geração de milhares de empregos, foi uma das principais vítimas. A cadeia de fornecedores foi quebrada, os estaleiros fechados, e os fundos — como a FUNCEF, que aportou R$ 1,3 bilhão por meio de FIPs — viram seu investimento se tornar pó.

Frente a esse quadro, a proposta de renegociação dos acordos, apresentada ao STF em setembro de 2024 por CGU e AGU, traz riscos consideráveis. Ao permitir o uso de créditos tributários para abater até 50% do saldo devedor, substituir o indexador Selic por IPCA, perdoar multas moratórias e flexibilizar os cronogramas de pagamento, o Estado sinaliza benevolência com os devedores, mas não assegura garantias proporcionais aos credores indiretos — como a FUNCEF. Isso representa não apenas um desequilíbrio contratual, mas uma inversão de justiça histórica: os responsáveis se reabilitam, enquanto os trabalhadores continuam pagando a conta.

Nesse contexto, a FUNCEF deve considerar com seriedade o ajuizamento de ação indenizatória contra a União. A Constituição Federal, em seu artigo 37, §6º, estabelece a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por seus agentes a terceiros. Isso inclui tanto atos comissivos quanto omissões, e independe da comprovação de culpa direta. A destruição da Sete Brasil não foi obra do acaso, mas de uma combinação de decisões políticas, judiciais e administrativas que sabotaram um projeto estratégico nacional. O BNDES suspendeu os financiamentos sob pressão da Lava Jato, a Petrobras rompeu contratos com base em avaliações de risco reputacional, e o governo federal, nos governos Dilma e Temer, não coordenou uma resposta que protegesse os interesses públicos e os fundos investidos. O resultado foi uma hecatombe institucional que gerou perdas reais, documentadas e socialmente regressivas.

A responsabilidade do Estado, portanto, é evidente. A União deve responder por ter permitido — e em alguns momentos estimulado — a paralisação de contratos e projetos com forte impacto social e previdenciário. O argumento de que a corrupção deveria ser combatida não justifica a destruição de ativos nacionais, nem exonera o Estado de reparar os danos que essa estratégia causou. É legítimo, e até necessário, que a FUNCEF defenda os direitos de seus participantes por meio de ação judicial específica, buscando ressarcimento parcial ou integral dos valores perdidos em decorrência da sabotagem institucional que foi a Lava Jato. Trata-se de uma medida econômica, jurídica e moral.

Por fim, é preciso afirmar com clareza: os participantes da FUNCEF são credores dessa história. Eles não podem ser tratados como danos colaterais. Eles são os verdadeiros atingidos. Defender seu patrimônio é também defender o futuro da previdência complementar pública, a soberania sobre os recursos do pré-sal e o direito à reparação diante de uma injustiça sistêmica. O Estado brasileiro, que falhou ao proteger seu projeto industrial e energético, tem o dever constitucional e ético de ressarcir quem pagou a conta dessa destruição. A ação contra a União é o instrumento legítimo para isso. E sua urgência cresce à medida que os algozes vão sendo perdoados em silêncio.

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