Xi Jinping e a Revolução Silenciosa da Indústria Chinesa: Lições e Alertas para o Brasil
Por Carlos Lima*
No dia 19 de maio de 2025, o presidente chinês Xi Jinping visitou a fábrica da Luoyang Bearing Group, na província de Henan. Fundada em 1954, a fábrica é uma das mais antigas e estratégicas produtoras de rolamentos industriais da China — componentes essenciais para setores como transporte ferroviário, aeroespacial, energético e maquinário pesado. Mais do que uma simples visita, o gesto de Xi carrega um valor político, ideológico e geopolítico que merece atenção especial de quem defende um projeto nacional de desenvolvimento no Brasil.
Segundo publicação do portal Brasil 247, com informações da
agência estatal Xinhua, a visita de Xi Jinping teve como objetivo inspecionar
os esforços locais para acelerar o desenvolvimento da manufatura avançada e
reforçar a estratégia de autossuficiência tecnológica. Durante a inspeção, Xi
visitou a sede da Luoyang Bearing Group Co., Ltd., uma das mais importantes
fabricantes chinesas de rolamentos, e destacou a importância de fortalecer o
setor manufatureiro como parte do processo de modernização da China (Brasil 247, 20/05/2025).
A visita também incluiu encontros com trabalhadores,
técnicos e dirigentes da empresa, e Xi enfatizou que a manufatura moderna
depende de inovação tecnológica própria, sendo necessário alcançar avanços
independentes em tecnologias-chave, inclusive nos setores mais discretos da
produção industrial — como o de componentes de precisão. A Luoyang Bearing
Group, criada ainda durante o primeiro plano quinquenal da China, é hoje
referência na produção de mais de 30 mil tipos de rolamentos, utilizados em
áreas estratégicas como aviação, energia e transporte ferroviário pesado
(Brasil 247, 20/05/2025).
“O setor manufatureiro é a espinha dorsal da economia real.
Devemos fortalecê-lo com inovação, talentos e capacidade independente”,
declarou Xi, segundo a agência Xinhua.
O conteúdo político da visita
Rolamentos são peças discretas, mas vitais: sem eles,
turbinas não giram, trens não correm, tratores não colhem. O domínio sobre sua
produção simboliza controle de cadeias produtivas estratégicas, algo que se
tornou ainda mais evidente durante a pandemia e com as guerras comerciais
atuais. Xi Jinping, ao visitar pessoalmente uma fábrica desse tipo, envia um
recado ao mundo:
“A China não abrirá mão da soberania tecnológica, mesmo nos
componentes ‘invisíveis’ da indústria moderna.”
Xi reafirma assim o papel do Estado como protagonista no
desenvolvimento produtivo, da ciência à manufatura, do planejamento ao chão de
fábrica. Esse gesto representa, de forma silenciosa porém poderosa, uma ruptura
com a lógica financeirizada e desindustrializante que domina o Ocidente.
Um espelho para o Brasil
Ao se olhar para o Brasil não há como não fazer um paralelo com a nossa realidade. O Brasil viveu, desde os anos 1990, um processo profundo de desindustrialização
precoce. Em 1985, a indústria de transformação representava cerca de 27% do PIB.
Em 2024, caiu para menos de 11% (IBGE, 2024). Essa erosão industrial está
ligada à abertura comercial desordenada, ao desmonte de políticas industriais,
à valorização artificial do real e ao predomínio do capital financeiro sobre o
produtivo.
Nos últimos dois anos, houve avanços importantes. O governo
Lula lançou a Nova Indústria Brasil (NIB), que promete investir mais de R$ 300
bilhões até 2026 em políticas de reindustrialização com foco em complexos
industriais estratégicos (saúde, defesa, agroindústria, infraestrutura,
transição energética e digitalização). Também relançou o Novo PAC, com previsão
de R$ 1,7 trilhão em investimentos até 2026, incluindo obras de infraestrutura
logística e energética.
Essas medidas são positivas, necessárias e devem ser
defendidas, pois resgatam o papel do Estado como indutor do desenvolvimento. No
entanto, se comparadas ao modelo chinês, revelam limites importantes:
Lições e alertas da experiência chinesa
- Planejamento
estatal estruturado e de longo prazo
A China trabalha com planos quinquenais integrados, com metas claras por setor e por região. No Brasil, a NIB ainda carece de instrumentos efetivos de coordenação entre ministérios, entes federativos, universidades, empresas estatais e setor produtivo. - Integração
entre ciência, tecnologia e produção real
A visita de Xi Jinping destaca o quanto a China vincula inovação à indústria real. O Brasil precisa aprimorar a relação entre universidades e parques industriais, e os investimentos em C&T ainda continuam aquém das necessidades. - Fortalecimento
do parque estatal e das empresas nacionais
A China mantém empresas estatais fortes nos setores estratégicos. No Brasil, a reversão das privatizações não entrou na agenda, e os oligopólios privados ainda controlam áreas como telecomunicações, logística e energia. - Valorização
do trabalho produtivo e formação técnica
A China prepara milhões de jovens para a indústria do futuro. O Brasil, por sua vez, precisa ampliar sua política educacional para o ensino técnico e tecnológico, e sofre com a precarização do trabalho industrial e a informalidade crescente. - Foco
nos elos invisíveis das cadeias produtivas
Ao priorizar uma fábrica de rolamentos, Xi mostrou que soberania começa nos detalhes industriais. O Brasil precisa mapear e reconstruir cadeias completas, evitando dependência em insumos e máquinas estratégicas — o que exige política industrial com conteúdo nacional real.
A revolução em curso
A visita de Xi Jinping a uma fábrica de rolamentos não é
apenas um ato simbólico. É a expressão de uma estratégia nacional de
desenvolvimento autônomo, baseada em produção, tecnologia e protagonismo
estatal. Um gesto que comunica com clareza: não há futuro soberano sem
indústria forte.
O Brasil, com o lançamento da NIB (Nova Indústria Brasil) e do Novo PAC, ensaia os
primeiros passos nessa direção. Mas é preciso mais: radicalizar no conteúdo
produtivo, integrar ciência e trabalho, romper com o rentismo e colocar o
Estado no centro do planejamento estratégico. Como ensina a experiência
chinesa, não se trata apenas de crescer — trata-se de produzir com soberania,
inovar com sentido nacional e construir uma nação desenvolvida com base na
força do trabalho e na inteligência coletiva do povo.
A revolução silenciosa da China pode e deve inspirar a luta
por um projeto nacional de desenvolvimento no Brasil. Mas não nos enganemos:
não basta vontade ou bons planos. Há forças poderosas que se opõem frontalmente
ao avanço industrial e à soberania brasileira — elites rentistas, interesses
estrangeiros, grandes grupos financeiros e um sistema político hegemonizado por
lobbies antinacionais e antidesenvolvimentistas. Superar essa barreira exige
mais que tecnocracia: exige luta política, mobilização popular, reconstrução do
Estado e organização da classe trabalhadora em torno de um novo pacto nacional.
Se quisermos retomar o caminho da produção e do trabalho, teremos de disputar
cada passo, cada orçamento, cada prioridade — com consciência de que o
subdesenvolvimento, como ensinou Celso Furtado, é um projeto político, e só
será vencido por outro projeto, igualmente político, mas enraizado na soberania
e na justiça social.
*Carlos Lima é Economista, Coordenador do CES RJ, Dirigente
da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.
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