Parte 1 – A Crise Fabricada: como os Correios chegaram ao colapso
Por Carlos Lima*
De anos de desmonte ao imobilismo gerencial, o sucateamento programado de uma estatal estratégica
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) enfrenta em 2025 uma das piores crises de sua história. O prejuízo no primeiro trimestre do ano, que mais que dobrou em relação a 2024 e atingiu R$ 1,72 bilhão, revelou o esgotamento de um modelo baseado no desmonte, na omissão gerencial e na lógica do enxugamento permanente. Com um patrimônio líquido negativo de R$ 6,08 bilhões, a estatal entrou tecnicamente em colapso — e embora a atual gestão reconheça os desafios herdados, suas respostas têm sido tímidas, contraditórias e, até aqui, incapazes de reverter a trajetória descendente.
Um processo de desmonte planejado
Entre 2016 e 2022, os Correios foram alvo de uma política de esvaziamento e preparação para a privatização. Cortes orçamentários, congelamento de concursos públicos, terceirizações e abandono da infraestrutura compuseram o cenário. Durante o governo Bolsonaro, o projeto de privatização foi transformado em prioridade, e a média anual de investimentos da empresa caiu para R$ 345 milhões — valor insuficiente até para manter as operações básicas de uma rede com presença em todos os municípios do país.
Esse desmonte sistemático afetou a qualidade dos serviços, comprometeu a imagem institucional da EBCT e provocou a evasão de parte significativa do mercado postal e logístico para a iniciativa privada, sobretudo no comércio eletrônico, onde plataformas internacionais avançaram sem concorrência pública à altura.
Receitas em queda, custos distorcidos
O resultado do primeiro trimestre de 2025 é reflexo direto desse histórico. A receita líquida caiu 12,2% em comparação com o mesmo período do ano passado, somando R$ 3,95 bilhões. O desempenho foi especialmente afetado pela queda acentuada no faturamento com postagens internacionais — que despencaram de R$ 945 milhões para R$ 393 milhões.
O aumento do custo de pessoal, de R$ 2,54 bilhões para R$ 2,77 bilhões, tem sido apontado pela direção como um dos fatores que pressionam o orçamento. No entanto, esse reajuste — resultado do acordo coletivo e da devolução parcial de direitos — não pode ser tratado como causa estrutural da crise. Ao contrário: trata-se de uma reposição mínima diante de anos de congelamento, arrocho e perdas salariais. São mais de 55 mil trabalhadores ativos, submetidos a sobrecarga e insegurança, que mantêm os serviços funcionando mesmo com infraestrutura precária e recursos reduzidos.
Inconsistências, passivos e má gestão
Além da deterioração operacional, a empresa enfrenta passivos judiciais crescentes. As despesas com precatórios e requisições de pequeno valor somaram quase R$ 390 milhões, majoritariamente decorrentes de ações trabalhistas. Ao mesmo tempo, a auditoria independente do balanço apontou fragilidades nos critérios contábeis e nos controles internos, declarando não ter condições de atestar a adequação das provisões para processos.
O resultado financeiro da empresa também se deteriorou: R$ 232 milhões de prejuízo, um salto negativo de mais de cinco vezes frente ao mesmo período de 2024. As receitas financeiras caíram e as despesas dispararam — mais um sintoma da ausência de uma estratégia financeira sólida e da ineficácia da atual gestão em atrair receitas novas, mesmo diante das oportunidades previstas no novo marco legal.
Promessas que não se sustentam
Desde 2023, os investimentos voltaram a crescer. Foram R$ 750 milhões anuais, saltando para R$ 830 milhões em 2024. A empresa lançou um plano de investimentos de R$ 1,6 bilhão até 2026 e firmou parcerias com o Banco dos BRICS (NDB). Mas, na prática, o impacto desses investimentos ainda é quase invisível. O programa “Mais Correios”, voltado ao comércio eletrônico, ainda está restrito a testes internos; o plano de logística verde caminha lentamente; e as medidas de corte continuam recaindo sobre os trabalhadores e sobre a malha operacional.
A decisão de fechar 38 Centros de Encomendas Modulares (CEMs), suspender férias, travar promoções e propor redução de jornada e salários contraria o discurso de reconstrução. Em vez de enfrentar os gargalos estruturais, a empresa aposta em medidas paliativas e impopulares, aprofundando a perda de confiança de seus empregados e da população.
Na Parte 2, analisaremos o Decreto nº 12.464/2025, que atualiza o marco legal dos serviços postais no Brasil. Embora a nova regulamentação represente um avanço institucional, ela depende de vontade política, investimentos reais e mudanças gerenciais para se traduzir em transformação concreta da estatal.
*Carlos Lima é economista e dirigente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e da CTB-RJ.
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