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Saúde Caixa: o desmonte de um direito histórico e a resposta necessária da classe trabalhadora

Por Carlos Lima*

O plano de saúde dos empregados da Caixa Econômica Federal, construído ao longo de décadas como expressão concreta da solidariedade e da luta coletiva dos bancários, vem sofrendo um processo acelerado de desmonte. A atual gestão da empresa, mesmo sob um governo popular, opta por manter políticas neoliberais herdadas do período golpista, como o famigerado teto de 6,5% da folha de pagamento para a contribuição patronal. Essa decisão, longe de ser neutra, é profundamente lesiva aos direitos dos trabalhadores — especialmente dos aposentados, que estão sendo empurrados para fora do plano por conta de reajustes brutais.

Um dos efeitos mais cruéis dessa política é a previsão de um aumento médio inicial de 77% nas mensalidades dos aposentados, conforme divulgado pela APCEF/SP. Embora esse reajuste ainda não tenha sido efetivado, sua mera possibilidade evidencia o objetivo oculto da Caixa: tornar inviável a permanência dos que mais utilizam o plano, forçando a saída de milhares de beneficiários e rompendo com o princípio de solidariedade intergeracional que sempre sustentou o Saúde Caixa. Isso não é ajuste técnico, é exclusão deliberada.

O argumento da empresa, baseado em um suposto "desequilíbrio financeiro", não se sustenta tecnicamente nem moralmente. Primeiro, porque não apresenta nenhum dado confiável ou auditado que comprove a narrativa de déficit. Os sindicatos e representantes eleitos dos empregados vêm exigindo, sem sucesso, acesso a informações completas, como balanços atuariais, demonstrativos de despesas administrativas e detalhamento do uso do fundo. A recusa da Caixa em divulgar essas informações revela o caráter autoritário da gestão e o esvaziamento do modelo de governança participativa do plano.

Segundo, porque esse “déficit” é fabricado. A empresa deliberadamente deixou de cumprir com sua responsabilidade de custeio, ao mesmo tempo em que precarizou a estrutura de gestão do plano, terceirizou serviços, reduziu redes de atendimento e limitou investimentos em prevenção. O resultado é um plano mais caro, menos eficiente e cada vez mais distante da lógica pública que o originou.

Acordos assinados recentemente, que referendam essa política, foram empurrados à base da chantagem e da falta de alternativas, especialmente para os aposentados. Mesmo setores que apoiaram criticamente tais termos agora reconhecem os impactos negativos sobre a base. O pacto solidário foi substituído por uma lógica mercantil: quem pode pagar, permanece; quem não pode, é abandonado.

A resposta da classe trabalhadora tem sido firme. Quase 24 mil pessoas já aderiram ao abaixo-assinado em defesa do Saúde Caixa, demonstrando o crescente engajamento da categoria na luta pela manutenção de um plano de saúde acessível e de qualidade. Sindicatos, federações e entidades de representação vêm mobilizando ações jurídicas, pressionando o governo e propondo alternativas viáveis para resgatar o caráter social do Saúde Caixa.

Não se trata apenas de defender um plano de saúde. Trata-se de lutar contra a financeirização da vida, contra a lógica empresarial que transforma um direito em produto, que trata aposentados como “passivos” e vê a saúde como custo a ser cortado. O Saúde Caixa é parte da política pública que o banco, como empresa estatal, deve garantir aos seus trabalhadores.

Essa batalha, portanto, é também uma trincheira da luta de classes no setor público. Ou os trabalhadores se impõem com organização, mobilização e proposta, ou a lógica privatista seguirá corroendo o que resta de Estado de bem-estar para os trabalhadores brasileiros.

O momento exige coragem política, unidade e pressão social. É hora de reverter o desmonte, restabelecer o modelo mutualista e solidário, com financiamento digno, gestão paritária e foco na saúde como direito. Essa não é uma demanda corporativa — é um grito de dignidade de quem construiu com suor uma das maiores empresas públicas do país. E não aceitará ser descartado.


*Carlos Lima é empregado da CAIXA, economista, dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.

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