Pular para o conteúdo principal

Redpill: a volta dos homens das cavernas com wi-fi e assinatura premium

Por Carlos Lima*


Se você ainda não ouviu falar do tal movimento redpill, parabéns: isso diz muito sobre a qualidade do seu algoritmo e da sua saúde mental. Mas para quem está minimamente atento às redes — especialmente YouTube, TikTok e fóruns masculinizados da internet — o redpillismo é o novo refúgio de uma geração de homens perdidos entre o fim da dominação patriarcal e a dificuldade de lidar com mulheres que não aceitam mais ser tapete.

Vestidos de “realistas”, esses youtubers de voz grave e estética de coach existencial dizem estar oferecendo a verdade nua e crua. Só que, no lugar de análise social ou crítica política, entregam um caldeirão de ressentimentos reciclados, recheados de “ciência de boteco”, moralismo sexual e um bom toque de nostalgia das cavernas. Literalmente.

A “filosofia” da redpill: cromossomos, testosterona e teorias de barbearia

A base teórica? Uma mistura de Darwin mal digerido com manual do macho alfa comprado na Amazon. Para eles, a sociedade é governada por uma suposta “hipergamia feminina” (não é piada), que explicaria por que as mulheres não querem mais se casar com qualquer Zé que tem CPF. A saída? Segundo os “redpillers”, é se tornar um “macho de alto valor” — o que geralmente inclui:

# Ter músculos inflados (mesmo que pagos em 12x),

# Dinheiro (nem que seja de pix de seguidores),

# Desprezo por qualquer forma de sensibilidade.

Ou seja: a mesma cartilha de sempre, com efeito Instagram.

Do ressentimento à misoginia gourmet

Por trás da fachada de “autodesenvolvimento” mora um discurso misógino, violento e autoritário. As mulheres são tratadas como objetos de troca, classificadas por notas (sim, como em um cardápio de hamburgueria artesanal), e qualquer discurso de igualdade é chamado de “marxismo cultural” — esse espantalho tão amado por quem nunca leu Marx nem entende o que é cultura.

O redpill não é só uma bobagem. É uma forma de radicalização machista em tempos de crise, que se aproveita da solidão masculina e do colapso dos vínculos sociais para construir uma comunidade de ódio, ressentimento e autoritarismo. É o fascismo com anabolizante.

O retorno simbólico às cavernas

Os defensores da redpill querem nos convencer de que tudo era melhor quando o homem caçava e a mulher cuidava da caverna — ignorando que:

1. Nem na Idade da Pedra era tão simples assim;

2. Hoje, quem caça é o iFood, e quem limpa a caverna geralmente é uma mulher mal remunerada.

Trata-se de um desejo profundo de retornar a uma ordem autoritária onde o homem não precisava dialogar, entender, dividir tarefas ou respeitar. Uma espécie de “revolta dos medíocres”, travestida de filosofia.

Feminismo emancipacionista: o antídoto

Contra essa barbárie requentada, o feminismo emancipacionista — aquele que luta não só pela igualdade formal, mas pela transformação profunda das estruturas sociais — segue sendo a vacina mais potente.

Ele não busca inverter hierarquias, mas derrubar a ideia de que alguém precisa estar por cima para que a sociedade funcione.

Não queremos homens frágeis, envergonhados ou submissos. Queremos homens inteiros, conscientes, capazes de partilhar a vida — e não de competir num ringue imaginário onde o prêmio é o ego inchado e a solidão eterna.

Em vez de “tomar a redpill”, que tal tomar juízo?

Se você é homem, jovem, está confuso, frustrado, cansado do mundo — ótimo. Todos estamos. Mas cuidado com quem se apresenta como salvador oferecendo “a verdade” embalada em ódio e superioridade. Isso nunca acaba bem. Nem na ficção.

Porque no fim das contas, a verdadeira pílula libertadora não é a vermelha dos redpill.

É a pílula roxa da consciência social, da igualdade radical, da libertação de todos e todas de uma sociedade que nos amarra em papéis que só nos destroem.

Este artigo foi escrito com a bússola da militância engajada, com os pés na realidade e o coração na luta por uma sociedade mais justa, igualitária e, sobretudo, civilizada. As cavernas podem ficar para os fósseis. Nós, homens e mulheres, queremos futuro.

Carlos Lima, economista e dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O bolsonarismo é a vanguarda da traição nacional e da sabotagem econômica

Por: Carlos Lima   O bolsonarismo é hoje a mais perigosa expressão do entreguismo contemporâneo Disfarçado de patriotismo, mascarado com cores da bandeira e entoando hinos enquanto desfere golpes contra a soberania nacional, esse movimento liderado por Jair Bolsonaro e seus filhos representa não apenas uma degeneração política e moral da direita brasileira, mas a sua fusão completa com interesses externos — particularmente os dos Estados Unidos. Trata-se de um projeto de poder construído para destruir as bases econômicas e institucionais do Brasil enquanto nação independente, transformando-o num satélite dócil do capital internacional. Seu funcionamento combina desinformação sistemática, deslegitimação do Estado, milicianismo digital, violência simbólica e física, e submissão absoluta aos ditames do imperialismo financeiro. A conexão orgânica com o trumpismo é mais do que ideológica: é funcional, estratégica, operativa. Estamos diante de uma articulação transnacional da extrema di...

Elias Jabbour: O Fenômeno Intelectual que Recoloca o Socialismo no Centro da Política Brasileira

  Por Carlos Lima* Em um Brasil marcado pela desigualdade histórica, por sucessivas crises do neoliberalismo e por uma esquerda muitas vezes encurralada no debate público, um intelectual tem surpreendido pelo alcance de suas ideias e pela força de sua trajetória: Elias Jabbour. Geógrafo, professor da UERJ, doutor pela USP, ex-diretor do Banco dos BRICS, autor premiado na China e militante comunista desde a juventude, Jabbour se tornou o epicentro de um fenômeno político e teórico: a retomada do socialismo como projeto de futuro — não como nostalgia do passado. Mas o que explica o impacto de Elias Jabbour em praças lotadas, redes sociais efervescentes, bancadas parlamentares e programas de pós-graduação? O que faz dele uma referência para comunistas, desenvolvimentistas, jovens militantes e até curiosos do campo econômico? A resposta está tanto em suas ideias quanto em sua vida. Da periferia de São Paulo à vanguarda do pensamento socialista Elias Marco Khalil Jabbour nasceu em ...

O Copom Vai Decidir: Mais uma Dose de Veneno para a Economia

Por Carlos Lima Nos dias 6 e 7 de maio, o todo-poderoso Comitê de Política Monetária — aquela turma “independente” que, na prática, responde com um telefonema aos caprichos do mercado financeiro — vai se reunir de novo para decidir o destino da economia brasileira. Spoiler: não espere nada diferente. A expectativa é manter a taxa Selic no criminoso patamar de 14,25% ou, quem sabe, dar mais uma espetada para cima — afinal, os rentistas estão com sede. Enquanto o Brasil real tenta sobreviver com crescimento de 1,7% ao ano, desemprego batendo quase 8% (e com quase metade da força de trabalho na informalidade ou na uberização), nossos “gênios” da política monetária seguem convictos: para domar a inflação, o remédio é sempre o mesmo — desemprego, arrocho salarial e sufocamento da atividade econômica. Um show de criatividade. A ata da última reunião já havia deixado a mensagem clara, numa prosa tão fria quanto desumana: “a desaceleração da atividade econômica é elemento necessário para a ...