O aço que constrói ou o aço que trava? Uma crítica à acomodação da siderurgia brasileira

Por Carlos Lima*

A indústria siderúrgica brasileira atravessa um momento de contradição histórica. Em meio a uma conjuntura marcada pela retomada do crescimento, pelo novo ciclo de investimentos em infraestrutura, reindustrialização e transição energética, o setor responde não com ousadia produtiva ou inovação tecnológica, mas com um coro já conhecido: mais tarifas, mais barreiras, mais proteção. Como revelou matéria recente de Jamil Chade no UOL, representantes da siderurgia nacional pressionam o governo federal por novas medidas contra o aço chinês, num tom de urgência que parece mais um grito de socorro de quem se recusa a competir.

O problema não está em discutir medidas de defesa comercial. Todo país soberano tem o direito de proteger setores estratégicos quando há riscos reais à sua base produtiva. Mas o que se vê no Brasil é um modelo de protecionismo sem contrapartidas, uma espécie de muleta institucionalizada para um setor que se habituou a operar sob a sombra do Estado, sem oferecer de volta os compromissos que o país precisa: inovação, geração de empregos de qualidade, sustentabilidade e abastecimento interno com preço justo.

A siderurgia brasileira já conta com cotas de importação e tarifas de até 25% sobre produtos excedentes. Tem acesso abundante a minério de ferro, know-how acumulado, mercado interno estável e perspectiva de aumento da demanda. Ainda assim, ao invés de se preparar para expandir a produção, atender à nova escala de obras públicas e participar da reconstrução nacional, opta por se colocar como vítima de um mercado global competitivo, exigindo do Estado que segure a concorrência enquanto evita modernizar seus próprios processos.

Esse comportamento revela não uma fraqueza estrutural, mas uma apatia estratégica. O Brasil precisa de aço. Muito aço. E essa demanda crescente, ao invés de ser vista como uma janela histórica de expansão e liderança industrial, é tratada com receio — como se qualquer aumento nas importações fosse uma ameaça, mesmo quando a produção interna não dá conta de suprir tudo que está por vir. É o protecionismo transformado em barreira ao próprio desenvolvimento.

Não há erro em importar aço de maneira complementar e regulada. O erro está em erguer muros protecionistas sem antes fazer o dever de casa. E isso inclui ampliar a capacidade produtiva, reduzir os custos sistêmicos (energia, logística, crédito), inovar em processos, e — principalmente — apresentar contrapartidas claras sempre que recorrer à proteção do Estado. Nenhuma medida de defesa comercial pode ser incondicional. Nenhuma empresa deve se acomodar à sombra da tarifa.

É legítimo que o setor se proteja, mas é inaceitável que não invista. É legítimo que dialogue com o governo, mas é indecente que não assuma compromissos concretos com o país. Não se pode permitir que o aço que deveria construir o futuro do Brasil se torne o travamento da sua infraestrutura, o encarecimento de obras públicas ou o entrave da reindustrialização.

O setor do aço deve ser desafiado a sair da zona de conforto. O tempo da dependência acabou. A era do crescimento voltou. E o que o país precisa não é de aço protegido — é de aço produtivo, competitivo e comprometido com o projeto nacional de desenvolvimento.


*Economista, dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

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