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Golpismo de ocasião: Centrão joga com a extrema direita para blindar seus privilégios — e empareda a democracia

Por Carlos Lima

A recente manobra da Câmara dos Deputados para suspender a ação penal contra Alexandre Ramagem, acusado de envolvimento na tentativa de golpe de Estado, reacendeu o alerta vermelho sobre o uso político do Legislativo para autoproteção. Mas não se trata de um movimento unificado de “todo o Congresso”, como alguns discursos apressados sugerem. O que se viu foi a reedição do velho pacto entre dois blocos poderosos: o Centrão fisiológico, dominado por interesses orçamentários e negociações de bastidores, e a extrema direita bolsonarista, que segue instrumentalizando o golpismo como bandeira de impunidade.

O centrão, em sua essência, não é um bloco político com projeto de país. É um balcão. E, como todo balcão, seu valor está no que pode ser trocado. Neste caso, o escambo é claro: proteger um aliado simbólico da extrema direita em troca de manter sob controle os processos que podem atingir em cheio o coração da engrenagem corrupta das emendas.

Essa união não é nova. O bolsonarismo, para além de seu verniz ideológico autoritário, sempre se valeu da máquina do Centrão para governar — especialmente a partir da crise pós-Covid e da aproximação de Arthur Lira com o Executivo em 2021. De lá pra cá, consolidou-se uma aliança perversa: de um lado, os que querem destruir a ordem democrática para construir um regime autoritário; de outro, os que querem apenas garantir o controle dos cofres públicos e sua própria blindagem legal.

A votação que favoreceu Ramagem não foi, portanto, por “paixão” ao ex-delegado ou lealdade ao ex-presidente. Foi uma jogada fria para enviar um recado ao Supremo Tribunal Federal: se as investigações sobre o esquema bilionário de emendas parlamentares avançarem, haverá retaliação. E mais: que há disposição para usar a retórica golpista — inclusive em defesa de crimes contra a democracia — como moeda de troca institucional.

É aqui que entra o voto firme do ministro Flávio Dino, relator de ações que buscam dar transparência e legalidade ao uso das emendas. Dino alertou, com clareza, para o risco de o Congresso extrapolar suas funções constitucionais, buscando legislar, executar e julgar ao mesmo tempo, sem controle externo. Isso, segundo ele, é coisa de “tiranias” — e não de repúblicas democráticas.

Não à toa, essa ofensiva do centrão-bolsonarismo ocorre justamente quando a Polícia Federal avança nas investigações sobre o “mercado paralelo de emendas”, onde recursos destinados a municípios voltam aos parlamentares em forma de propina. A descoberta desse esquema desestabiliza uma lógica de poder silenciosa, mas altamente lucrativa, que alimenta parte da elite política brasileira de Norte a Sul.

Importante destacar que setores progressistas e democráticos do Congresso têm se posicionado contra esse estado de coisas. Bancadas do PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB e até segmentos do MDB e da Rede vêm denunciando as manobras, defendendo a moralização do Orçamento e a punição exemplar de quem atentou contra o Estado Democrático de Direito. Também há parlamentares independentes, inclusive no centro político, que não se alinham a esse jogo sujo. Portanto, não se trata de demonizar o Congresso, mas de delimitar o campo onde se articulam os ataques à democracia.

A opinião pública também começa a perceber o escândalo em sua dimensão real: o dinheiro que deveria financiar saúde, educação e infraestrutura básica sendo desviado para coquetéis, viagens luxuosas e esquemas de retorno ilícito. A tentativa de manter as emendas no escuro é cada vez menos tolerada pela sociedade. E quanto mais o STF atua para abrir as caixas-pretas, mais o centrão-bolsonarista reage com ameaças, chantagens e sabotagens institucionais.

O jornalismo tem papel fundamental nesse processo. Denunciar não apenas os atos ilícitos, mas a lógica estrutural que permite sua reprodução — o fisiologismo, o corporativismo, a cumplicidade silenciosa — é fundamental para que o país avance. Flávio Dino, ao relembrar que “maiorias ocasionais não podem dilacerar o coração do regime constitucional”, nos convoca a esse enfrentamento.

Não há neutralidade possível diante de um Congresso dividido entre os que querem salvar o Brasil e os que querem salvar a própria pele. E quando se vê setores da Câmara preferindo proteger golpistas em nome de uma barganha orçamentária, fica claro: ou o país rompe com essa lógica, ou continuará à mercê de um sistema em que a democracia é negociada como se fosse um item de feira.

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