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Cresce a precarização nas prefeituras: o avanço dos contratos temporários e a erosão do Estado de Bem-Estar Social

Por Carlos Lima*

Enquanto o Brasil ainda sonha com a construção de um Estado de Bem-Estar Social pleno, digno das promessas constitucionais de 1988, um dado alarmante revela o caminho inverso: entre 2013 e 2023, as prefeituras brasileiras ampliaram em 52,5% o número de funcionários temporários. Hoje, cerca de 20% da força de trabalho municipal é composta por trabalhadores sem vínculo permanente, segundo dados divulgados pelo IBGE e noticiados pela Folha de S.Paulo. Em 11% dos municípios, mais da metade do funcionalismo é temporário.

Sob o pretexto de contenção de despesas e de respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, prefeitos e gestores substituem concursos públicos por contratações frágeis, de curta duração, que minam a estabilidade e a profissionalização do serviço público. Na prática, isso equivale a desmontar as bases do serviço público de qualidade e a desfigurar o papel do Estado como garantidor de direitos. O impacto é profundo nas áreas mais sensíveis à população — saúde, educação e assistência social — onde a descontinuidade de profissionais compromete a oferta de políticas públicas universais e permanentes.

Mas os efeitos não se limitam à economia ou à eficiência do Estado. A proliferação de vínculos temporários, sem concurso, alimenta práticas clientelistas que distorcem o princípio republicano da impessoalidade na administração pública. Em muitos casos, a vaga de trabalho passa a ser moeda política, trocada por apoio eleitoral, enfraquecendo a liberdade real de escolha dos cidadãos nas urnas. A democracia local, assim, vai sendo corroída pela dependência social e pelo medo da retaliação.

Num país marcado por profundas desigualdades, a ausência de um verdadeiro Estado de Bem-Estar Social é agravada por essa precarização institucional. A cidadania plena exige servidores valorizados, concursados, estáveis e protegidos — não uma força de trabalho descartável a serviço das conveniências de ocasião. A ampliação dos contratos temporários, quando usada de forma estrutural e não excepcional, revela o abismo entre a promessa de direitos e a prática do desmonte.

É urgente reacender o debate nacional sobre a reconstrução do serviço público como espinha dorsal de um projeto de país mais justo e democrático. Não há reforma verdadeira sem enfrentar o clientelismo, garantir concursos públicos e assegurar financiamento estável para os municípios. O povo brasileiro não pode seguir refém de soluções frágeis enquanto os alicerces do bem comum são corroídos por dentro.


Carlos Lima é  economista e dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro 

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