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É a raposa cuidando do galinheiro: os juros altos e o saque institucionalizado

Por Carlos Lima

O povo sabe das coisas. Não por acaso existe aquele ditado certeiro: “Colocar a raposa para cuidar do galinheiro não dá certo.” É exatamente isso que acontece no Brasil quando falamos da política de juros e do papel do Banco Central. O que vemos hoje é o mercado financeiro — os grandes bancos, fundos e especuladores — ditando a política monetária que vai diretamente encher seus próprios bolsos, enquanto o povo paga a conta com arrocho salarial e precarização.

O Boletim Focus, que virou referência para as decisões do Copom, é o maior exemplo desse absurdo institucionalizado. Ele é alimentado por aqueles mesmos bancos e agentes financeiros que têm interesse direto em juros altos. Eles jogam o jogo e ainda escrevem as regras: dizem que a inflação está ameaçadora, criam um clima de pânico, e o Banco Central responde prontamente aumentando a taxa Selic — o que significa lucros bilionários para os mesmos que apontaram o “problema”.

Nesta semana, a farsa se repetiu: o Copom elevou novamente a taxa Selic, agora para 10,75% ao ano. Esse já é o oitavo aumento desde março de 2021, consolidando uma escalada que atende plenamente aos interesses do mercado financeiro. Mais uma vez, a decisão foi impulsionada pelas previsões do Boletim Focus e por dados econômicos que indicam alta de preços — provocada, em grande parte, por fatores externos. O que está pressionando os preços não são aumentos de demanda ou superaquecimento da economia brasileira, mas sim choques vindos de crises internacionais, como as instabilidades no mercado de energia, alimentos e insumos agrícolas. Mesmo assim, o Banco Central insiste na velha receita de sempre: sufocar a economia real para garantir os lucros do capital financeiro.

Para ilustrar: em 2023, os quatro maiores bancos do país lucraram juntos mais de R$ 100 bilhões, mesmo em meio à estagnação da indústria e queda da renda real. Esses resultados foram fortemente impulsionados pelas receitas das operações de tesouraria e investimentos em títulos públicos, que rendem mais quando a Selic está elevada.

É verdade que, nos últimos dois anos, o desemprego tem caído, atingindo em 2024 o menor índice desde 2014 — cerca de 7,4% segundo o IBGE. Isso reflete esforços importantes do governo Lula em reativar setores produtivos e fomentar o consumo popular. No entanto, a qualidade dos postos de trabalho segue muito aquém do necessário: o que mais cresce são as vagas informais, trabalhos por aplicativos e contratos precarizados sem garantias básicas. Ou seja, mais gente está trabalhando, mas em condições cada vez mais desprotegidas, com baixos salários e sem direitos assegurados.

Além disso, o desempenho econômico continua travado. O PIB avançou apenas 2,9% em 2023 e deve crescer cerca de 1,8% em 2024, segundo previsões do próprio Focus. Enquanto isso, a dívida pública brasileira já supera R$ 7,8 trilhões, e cada ponto percentual de alta na Selic representa dezenas de bilhões de reais a mais em juros pagos aos credores — os tais bancos e investidores institucionais. Um ciclo perverso que sangra os cofres públicos e retira espaço para investimentos sociais.

Não há mistério: essa política monetária serve apenas para um lado. Enquanto a ciranda financeira segue alimentando a concentração de riqueza, o povo continua vendo sua renda corroída e suas condições de vida estagnadas. O discurso da “responsabilidade fiscal” e da “autonomia” do Banco Central nada mais é do que uma cortina de fumaça para manter tudo como está: o povo apertando o cinto e o andar de cima enchendo os bolsos.

É urgente romper com essa lógica perversa. Política monetária é coisa séria e deve servir ao povo, não ao cassino financeiro. Manter os juros nas alturas só alimenta a estagnação econômica, a dependência e o sofrimento popular. Precisamos recolocar o Banco Central sob controle social e político legítimo, para que ele sirva a um projeto de desenvolvimento com geração de empregos dignos, valorização do trabalho e soberania nacional.

Enquanto isso não acontece, o ditado segue valendo: com a raposa solta no galinheiro, não adianta esperar ovos de ouro para o povo. Só sobra a carcaça.


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