Por Carlos Lima – economista
Enquanto a China avança em suas relações com a América Latina por meio de iniciativas como a CELAC e a Nova Rota da Seda, os Estados Unidos reagem com ameaças veladas e pressões diplomáticas para conter essa aproximação. É o que revela o artigo publicado no último dia 12 de maio pelo Financial Times, reproduzido pela Folha de S.Paulo, ao relatar o dilema da Colômbia diante de possíveis sanções norte-americanas por anunciar sua adesão à BRI (Belt and Road Initiative).
O caso colombiano expõe mais uma vez o que tem sido a regra nas relações hemisféricas: a América Latina ainda é tratada por Washington como um quintal geopolítico. A ameaça, feita de maneira nada sutil por um ex-funcionário do Departamento de Estado, de favorecer exportadores concorrentes se a Colômbia estreitar laços com Pequim, não é apenas uma atitude antidemocrática — é a expressão clara de uma política externa baseada no controle e na coerção, típica de potências que veem a ascensão multipolar como um risco a sua hegemonia declinante.
O Brasil também está no centro dessa disputa. Com Lula reafirmando uma diplomacia ativa e multilateral, o país busca consolidar a China como principal parceiro comercial, diversificando investimentos em setores estratégicos como infraestrutura, tecnologia e energia verde. Contudo, o governo age com cautela diante das possíveis reações de Washington, adotando um discurso que tenta mostrar continuidade diplomática, evitando sinais de alinhamento automático com o bloco sino-russo.
Esse cuidado, compreensível do ponto de vista diplomático, não deve obscurecer a realidade: o mundo está em transição para uma nova ordem global, e a América Latina precisa escolher se continuará sendo satélite das decisões de Washington ou se construirá, com soberania, um novo modelo de inserção internacional — cooperativo, multilateral e ancorado em seus próprios interesses.
Do ponto de vista econômico, a crescente relação com a China abre possibilidades reais de superação da dependência primário-exportadora, desde que acompanhada por estratégias nacionais de agregação de valor, reindustrialização e autonomia tecnológica. O comércio bilateral com a China pode ultrapassar US$ 500 bilhões em 2025, como apontado por especialistas chineses, mas esse volume só será sustentável se estiver vinculado a políticas públicas de desenvolvimento.
No entanto, os Estados Unidos, ao invés de disputarem esse espaço com ofertas melhores, escolhem a via da pressão, do medo e da chantagem. Esse comportamento reforça uma estrutura neocolonial que trata as economias latino-americanas não como parceiras, mas como peças de um jogo de poder entre potências.
A cobertura do Financial Times, embora informativa, peca por naturalizar esse domínio estadunidense, tratando a diversificação comercial como “provocação” e atribuindo à China intenções obscuras enquanto silencia sobre o histórico intervencionismo de Washington na região. Falta, na abordagem jornalística, reconhecer o direito dos povos latino-americanos de escolherem seu caminho sem tutelas ou ameaças.
Como economista fora da influência do mainstream, vejo na ampliação das relações com a China uma janela de oportunidade para a América Latina retomar o protagonismo no cenário global. Mas isso exigirá coragem política, planejamento econômico e uma profunda revisão da subordinação histórica ao poder norte-americano. Em tempos de instabilidade e rearranjos globais, não há neutralidade possível: ou se reafirma a soberania, ou se reforça a dependência.
Links para as matérias citadas:
• América Latina teme represálias comerciais dos EUA após fortalecer relação com a China (Folha de S.Paulo)
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/05/america-latina-teme-represalias-comerciais-dos-eua-apos-fortalecer-relacao-com-a-china.shtml
• Latin America fears US backlash as ties with China deepen (Financial Times)
https://www.ft.com/content/2cda1e08-cf1e-47fd-ac4b-ac575aa957a9
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