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A dor de cotovelo da The Economist


por Carlos Lima

Vamos aplaudir a coragem da revista The Economist. Em tempos de guerra, miséria crescente e catástrofe climática, ela encontrou seu inimigo principal: Lula. Sim, aquele operário nordestino atrevido, que em pleno 2025 insiste em dizer que o Brasil não é colônia de ninguém. Uma afronta inaceitável. Como ousa?

Na última edição (29/06/2025), a revista mais refinada do capitalismo anglo-saxão decidiu que Lula está “perdendo relevância”. Tradução: ele não lambe as botas do Departamento de Estado (uma ingenuidade esperar isso). Um presidente que condena o genocídio em Gaza, defende a taxação de bilionários e ainda por cima anda de braço dado com líderes africanos e asiáticos? Isso sim é uma ameaça real à ordem mundial. Putin? Netanyahu? Trump? Não, o verdadeiro perigo geopolítico é o Lula. Que medo!

A nova cartilha da civilização ocidental

Segundo a The Economist, o Brasil está isolado. Isolado de quem, exatamente? Ah, claro: isolado do clube dos bombardeadores em série, dos privatizadores compulsivos e dos jornalistas que escrevem para banqueiros, mas se dizem "neutros". Isolado da moral superior que consegue dormir bem mesmo sabendo que 35 mil palestinos foram assassinados com armamento de última geração — enquanto o Brasil pede cessar-fogo e é chamado de “irrelevante” por isso.

Faz sentido: para a elite ilustrada que dirige a revista, não há nada mais vulgar do que defender o povo. Relevância, para eles, é jogar dinheiro em porta-aviões, proteger hedge funds e aplaudir golpes parlamentares desde que sejam contra governos de esquerda. Um país como o Brasil, que ousa propor uma reforma tributária, aumentar salário mínimo e proteger suas estatais, comete pecado capital: pensa com cabeça própria.

Tautologia: a arte de parecer inteligente sem dizer nada

A revista brilha mesmo quando entra no terreno da lógica — ou melhor, da ilusão dela. Lula “não lidera porque perdeu popularidade”, e “perdeu popularidade porque não lidera”. Uau. Um silogismo digno de um coach liberal de podcast. Dizem que tautologia é coisa de gente limitada. Mas quando vem escrita em inglês britânico, ganha o status de “análise geopolítica sofisticada”.

Relevância internacional? Ora, o Brasil está presidindo o G20, impulsionando os BRICS+, abrindo canais com África e Ásia, mas a The Economist só reconhece prestígio quando o presidente vai beijar a mão do Trump. Sim, ele mesmo, o que queria invadir o Capitólio de cavalo branco e acha que “mudança climática é invenção de chinês”.

A moral inglesa: uma casa mofada com móveis velhos fingindo elegância

The Economist é como aquela casa de campo na Inglaterra que já viu dias melhores: cheia de ácaros imperiais, estuque rachado e móveis vitorianos que ninguém ousa tocar, mas que todos fingem ser relíquias do bom gosto civilizatório. O cheiro é de mofo, mas o sotaque é de autoridade. E, como todo bom casarão decadente, ela guarda um segredo: não sabe mais o que é novo, mas morre de medo do que vem de fora — especialmente se falar português, andar de chinelo e chamar o povo de “companheiros”.

A moral inglesa que a revista carrega com tanto orgulho é essa herança vitoriana que julga o mundo inteiro com a superioridade de quem já colonizou meio planeta, saqueou o outro meio e agora distribui medalhas de civilização enquanto serve chá sobre tapetes manchados de sangue colonial. Qualquer projeto popular, latino-americano, africano ou asiático cheira mal a seus olhos — porque não combina com a porcelana herdada da Companhia das Índias.

Para eles, Lula é um intruso na sala de estar. Alguém que entra pela porta da frente com a camisa suada do povo e pergunta onde estão guardadas as riquezas que nos roubaram. E isso quebra a etiqueta.

O Brasil de Lula não combina com os talheres de prata do império, nem com o cinismo educado que chama massacre de “intervenção legítima” e fome de “choque de mercado”. Lula fala alto, fala grosso, fala do povo. É como uma ventania entrando por janelas emperradas de uma casa velha — e o que ela faz? Chia, range, se ofende. Mas o vento é da história.

O problema real

A verdade é que o que incomoda mesmo é ver um ex-metalúrgico, sem MBA em Harvard, liderando um país que teima em não falir, mesmo depois de quatro anos de destruição bolsonarista. O que incomoda é que Lula fala com líderes africanos como iguais, não como subalternos. Que propõe paz onde eles querem mais guerra. Que fala de taxar os ricos e proteger os pobres, e ainda por cima é aplaudido por multidões — apesar da mídia, do mercado, do Centrão, do FMI e do noticiário da Globo.

É isso que a The Economist não suporta. Que um país dependente, periférico e mestiço esteja tentando ser soberano. Que um governo com cara de povo queira reindustrializar, planejar e redistribuir. Que um operário desafie banqueiros com sua voz rouca, seu vocabulário do chão de fábrica e suas metáforas nordestinas.

Conclusão: chore, Economist

Chore, The Economist. Lula não vai te dar o que você quer. Ele não vai vender o SUS, nem entregar a Petrobras, nem fingir que Tel Aviv é o centro moral do mundo. Ele vai seguir tentando construir um Brasil que incomoda exatamente porque existe. E você vai seguir dizendo que ele é “irrelevante” — enquanto o mundo presta atenção nele.

Lula é o espinho no salto alto do imperialismo. O tapa de luva de um povo que não se ajoelha. E vocês, com todo o verniz, seguem repetindo a mesma ladainha tautológica de sempre: que o Brasil só é relevante quando serve ao mercado. Pois bem. Preparem-se: o Brasil pode estar voltando a ser relevante justamente porque deixou de servir a vocês.

 

Carlos Lima é economista e dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

 


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