Prometeu ao contrário: como Galípolo entregou o fogo do crédito ao altar dos rentistas
Por Carlos Lima
Na mitologia grega, Prometeu é o titã que ousou desafiar os deuses do Olimpo para beneficiar a humanidade. Com coragem, ele roubou o fogo sagrado — símbolo do conhecimento, do progresso e da autonomia — e o entregou aos homens, permitindo-lhes construir ferramentas, cozinhar alimentos e desenvolver a civilização. Como punição, foi acorrentado a uma rocha, onde uma águia enviada por Zeus devorava, dia após dia, o seu fígado, que se regenerava todas as noites, num ciclo eterno de dor. Essa figura heroica e sacrificada passou a representar o espírito de rebeldia e o compromisso com o bem comum.
Quando Galípolo assumiu a presidência do Banco Central, que comanda o Comitê de Política Monetária (Copom), muitos sonharam com um “Prometeu moderno”, capaz de enfrentar os deuses do mercado e libertar o povo da fogueira dos juros altos. Mas o que se revelou foi uma amarga decepção: em vez de desafiar os deuses do rentismo, Galípolo ofereceu o próprio fogo do povo ao altar dos barões da dívida.
Na reversão cruel do mito, o que vemos hoje é que o fígado devorado pela águia já não é o de Prometeu: é o do Brasil. A águia do Copom — guardiã implacável dos dogmas neoliberais — dilacera a carne da nação: o pequeno empresário sufocado pelo crédito caro, o trabalhador esmagado pelo desemprego estrutural, a indústria condenada ao encolhimento, e as famílias prisioneiras do endividamento. Cada reunião do Copom que insiste na Selic elevada é mais uma bicada no corpo já ferido da economia real.
O mais dramático é que, ao contrário de Prometeu, Galípolo não sofre o castigo de suas decisões. Quem sangra é o Brasil. Quem paga o preço do arrocho monetário é o povo, enquanto os rentistas celebram lucros recordes e os bancos ampliam suas margens com o crédito mais caro do planeta.
Essa decepção revela uma verdade dura: não haverá libertação vinda de heróis isolados nas estruturas capturadas do Banco Central. O que se impõe é o desafio da mobilização popular, da construção de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, capaz de enfrentar de fato os deuses do mercado e colocar o fogo do crédito e do crescimento a serviço da nação.
Não podemos mais esperar por um Prometeu redentor. É hora de o povo brasileiro forjar, com suas próprias mãos, as chaves que abrirão as correntes do subdesenvolvimento e da dependência.
Carlos Lima é economista, dirigente da CTB-RJ e do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.
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